sábado, 26 de setembro de 2009

Balas “Dum Dum” “Uma delícia de estouro”



O infame trocadilho acima poderia ser até a propaganda de uma guloseima, se não fosse uma das renitentes e cretinas crendices balísticas de nosso meio, a das “balas Dum Dum” que explodem dentro do corpo, mito esse perpetuado, pasmem, até pela imprensa dita “policial” (mas bem leiga como tive oportunidade de ver essa semana na fala de um conhecido “comentarista policial”), razão pela qual resolvi escrever este artigo. 

Não me incomoda em nosso meio a persistência de alguns mitos e termos mais popularescos de uso corrente, como por exemplo incomoda a muitos instrutores de tiro e militares o uso do termo “bala” ao invés de projétil, mesmo porque as origens deste termo se perdem na idade antiga. Vem do verbo grego “ballo” (βάλλω - lançar, atirar), e daí se deriva também Balista, nome de antiga máquina de guerra. A ciência que estuda os projéteis não leva o nome de balística? E ainda hoje existem termos similares ao nosso “bala”, em língua inglesa (“bullet)”, em espanhol ("bala"), e em francês (“balle”). Então “bala“ como designativo de projétil pra mim não é problema (e mesmo porque assim vinha escrito nos manuais do Exército Brasileiro até os anos 1920, sendo nomenclatura oficial)... 
Sobre especificamente as “balas Dum Dum”, mais um dos nossos muitos mitos oplológicos que de fato tem raízes históricas verdadeiras, mas via de regra como tanto outros, foi absolutamente distorcido e acrescido de detalhes que pouco tem a ver com a real história do fato ou conceito, isto sim é problemático pois é um desserviço a nossa área técnica. Alguns chegam a dizer que o nome dum-dum na verdade é a onomatopéia de dois estampidos, um o do disparo da arma, e o outro o da explosão do projétil no alvo!!Sabe-se lá como isto se espalhou entre nós, mas o que de fato nos conta a história é que o conceito de cartucho "Manstopper" (literalmente “parador” de homem) surgiu com os ingleses em suas guerras coloniais pela necessidade de combater inimigos corpulentos e bastante excitados, "selvagens” (na visão dos educados ingleses) que teimavam em não cair mesmo quando atingidos por vários disparos de arma curta (e até por armas longas como depois a experiência mostraria, deste mesmo mal os americanos sofreriam nas Filipinas dezenas de anos depois). Assim surgiram armas e calibres específicos para os teatros de guerra britânicos, exóticos e hostis na África e Ásia como Índia, Paquistão, Afeganistão, Egito, Sudão, Quênia, Rodésia, Transvaal, exemplo disto são os revólveres Webley Nº 1 "Boxer" de 1866 e o revólver Bland-Pryse que disparavam seis tiros do mastodônico calibre .577 Boxer de fogo central (o calibre 14,6 mm x 25,5 R, código DWM 274, tinha o mesmo calibre do rifle regulamentar) que obviamente tinha sido projetado para ter condições de deter o mais forte dos adversários. 
Os famosos e infames (na imaginação popular) projéteis “Dum Dum”, foram criados no final dos anos 1890 no arsenal da British Royal Artillery, situado na cidade do mesmo nome no Nordeste da Índia próximo a Calcutá, no estado de West Bengal. O arsenal de Dum Dum era administrado pelo Capitão Neville Sneyd Bertie-Clay (que terminou a carreira como Tenente Coronel e faleceu em 17/10/1938). 
Segundo consta ele desenvolveu os projéteis em questão durante as lutas de um golpe de estado no Paquistão em 1895. Para restabelecer o domínio britânico na região, foram enviadas tropas inglesas armadas com fuzis Lee-Metford Mark I em calibre 7.7 mm (o famoso calibre .303 ainda usando pólvora negra, os Lee foram adotados em 1888 substituindo o fuzil de serviço monotiro cal. 450 Martini-Henry). 
Estas tropas relataram na sua volta a Índia que estas novas armas se mostraram eventualmente ter insuficiente “Stopping power” para deter os inimigos das tribos Chitrali. Os estudos no arsenal, ao contrário do que se pensa, se restringiram apenas a um modelo de projétil do fuzil .303 com a jaqueta de níquel removida (cortada aproximadamente a 6 mm da ponta para revelar o núcleo de chumbo macio), podendo ser assim considerada a precursora das modernas munições tipo jaquetada de ponta mole - JSP (jacketed soft-point). Comumente se diz que lá se desenvolveram projéteis de ponta cortada em cruz, com jaquetas debilitadas, vazadas etc. Na verdade alguns destes tipos de projéteis já existiam nos fuzis esportivos Express, sendo na maioria das vezes experimentações para se reduzir o peso das pontas e aumentar a velocidade final, e que como efeito colateral se revelaram eficazes em se expandir bem em caça leve, mas mal em caça pesada. 
Apesar de ter tido apenas uso local e não oficial, o conceito de munição expansiva criado em Dum Dum perdurou nas oficiais .303 do padrão MK III (adotadas em 1897 tinham a camisa cortada expondo o núcleo de chumbo na ponta do projétil) e nas Mark IV e V, estas legítimas ponta-oca desenvolvidas na Inglaterra de forma independente no Arsenal de Woolwich, e tornadas padrão em 1899. O tipo Mark IV foi usado em Omdurman em 1898 com resultados satisfatórios, chegando segundo consta na emergência os soldados britânicos a remover o topo das jaquetas da munição padrão Mark II convertendo-as assim em improvisados tipos dum dum.
Embora os ferimentos causados pelas novas munições expansivas incrivelmente fossem menos severos que os provocados pelos antigos e brutais projéteis de chumbo sólido calibre .450 Martini-Henry, a Convenção de Haia de 1899 os proibiu a pedido da delegação alemã, que alegou motivos humanitários (durante a Primeira Guerra Mundial os alemães acusaram os Belgas de ainda usar munição expansiva em combate) encerrando-se definitivamente assim o capítulo de munições expansivas para uso militar.

No campo das armas curtas a experiência inglesa nas colônias criou em 1898 o .455 Webley Mark III, um cartucho dito "Manstopper" que possuía discreta ponta oca de chumbo que se deformava no momento do impacto, e a sua base oca (hollow base) ajudava-o a se ajustar melhor ao raiamento do cano. Esta carga foi removida de serviço em 1900, substituída pela anterior MK II pontuda, e logo após (1912) entraria em uso a .455 Mark IV na prática um projétil "wadcutter", saindo de serviço antes da Primeira Guerra Mundial, também por causa da Convenção de Haia.


“Dum Dum” à Brasileira
 
Cartuchos 38 SPL e 32 SW carregados com pontas tipo canto-vivo, erroneamente e indevidamente conhecidas no Brasil como “Dum-Dum”


O uso do termo "Dum-Dum" ficou inegavelmente associado a projéteis expansivos já entre os soldados ingleses da época e continuou sendo usado para designar qualquer tipo de projétil EXPANSIVO (e não EXPLOSIVO como se apregoa por aí). Tantas vezes ouvi este comentário, principalmente de pessoas mais idosas mostrando orgulhosas seus exemplares de antiga e modesta munição canto vivo CBC (wadcutter)... 

O projétil canto-vivo durante muitos anos foi no Brasil a única opção ao tipo ogival (só existiam estas duas pontas), surgindo daí diversas lendas locais. Mas quem teria sido o desconhecido “gênio“ que associou a este tipo de cartucho, bom para tiro ao alvo (mas se tivesse uma carga de projeção maior certamente seria um bom "Manstopper" pela área frontal plana) as improváveis qualidades balísticas de EXPLODIR quando atingisse o alvo? Fato incompreensível, mesmo porque as munições de uso civil no mercado mundial excetuando-se a Exploder americana não portam substâncias explosivas em seu interior. Será que o charmoso estojo niquelado com a ponta totalmente inserida em seu interior provocava esta mística? Fetiche oplológico? Vai saber. 
A nossa inventividade e o “jeitinho brasileiro” (para o mal inclusive) produziu uma versão modificada do canto-vivo tradicional, pois dizem que alguns desmontaram a munição original e remontaram-na com a base oca para frente criando assim a variação deste cartucho conhecida curiosamente como “Diabo Paraibano”, com efeitos úteis de penetração e expansão obviamente desconhecidos e incertos, pois a espessura do projétil na base oca era bem menor. Um remendo evidente na tentativa de se melhorar a performance da munição de defesa antes das pontas JHP e JSP chegarem ao nosso mercado, e mesmo estes tipos hoje depois de passados 110 anos e com toda a informação disponível, ainda são confundidos com as místicas ogivas indianas Dum Dum, no nosso caso poderia dizer jocosamente confundidas com “uma delícia de estouro no alvo”. 
Esperamos ter contribuído para ajudar a diminuir esta resistente lenda oplológica nacional passada de geração a geração por via oral como toda boa lorota que se preza, já tendo entrado há um bom tempo para o nosso “folclore ” armamentista.

domingo, 13 de setembro de 2009

Fábricas antigas do Brasil : Castelo

Prezados leitores, estou transformando o blog em livro, necessito de fotos de revólveres da Castelo para estudo de modelos. Agradeço a colaboração e atenção de todos...


A Indústria de Armas Castelo A.S. é uma das ma
is antigas fábricas de armas do Brasil, fundada em 1929 em São Paulo, no bairro do Belém, funcionou ainda em Ferraz de Vasconcelos, e depois na Mooca na Rua Tobias Barreto. Fabricou também material hidráulico.

A razão social de Lizarriturri & Cia. não deixa
dúvidas: a origem dos fabricantes era o país Basco da Espanha, sendo os proprietários da firma José María Lizarriturri (eibarrês que segundo consta nos poucos registros, chegou ao Brasil em 1928,ao que parece com a intenção inicial de montar uma fábrica de serras que receberia o nome de Arrate – nome de um monte situado na cidade de Eibar), e Dora Lúcia Alberdi. Mergulhei numa busca incessante para descobrir seus nomes, pois não se tem nenhuma informação sobre sua fundação, e a literatura nacional apenas e unicamente cita, quando cita, a razão social da fábrica, (sendo muito provavelmente o "Vitrine da Armaria" o primeiro a veicular tal dado). Isso nos dá muito orgulho, pois é o resgate de uma parte de nossa história oplológica.

A Castelo tinha
como logomarca o desenho de uma torre de Castelo dentro do mapa do Brasil.
A marca do Castelo bem visível tanto na caixa de mecanismo como nas talas de empunhadura

A Castelo começou a sua fabricação de armas em
meados de 1940, com garruchas de dois canos nos calibres 22 LR, 320 e 380 de pólvora negra. Os modelos iniciais não eram muito diferentes das garruchas belgas e espanholas tão populares aqui até a década de 50, com a abertura por um botão embaixo dos canos. Mas aos poucos num segundo modelo, o design da empunhadura mudou, assumindo uma feição quadrada, esteticamente discutível, e a chave de abertura passou a ser uma alavanca na lateral.


Garrucha 320 da Castelo, 1º modelo

Garrucha 320 da Castelo, 1º modelo (sub-tipo com variação na chave de abertura)

Garrucha Castelo do 2º Modelo, cal. 22


Depois vieram os revólveres, inicialmente com um modelo do tipo de “quebrar ao meio” (“top brake”), o que causa certa estranheza, pois este design há muito já estava fora de moda, sendo bem obsoleto para a época, lembrariam vagamente na aparência alguns dos antigos (mas excelentes) modelos da Webley-Scott. O acabamento era tosco e os calibres eram o .22 LR (para 8 tiros) e .32 SW (6 tiros).

revólver Castelo tipo "Top-Break"

Um segundo modelo de revólver mais moderno apareceu na década de 1960, tinha o tambor basculando para a lateral esquerda e um desenho bem próprio, que fugia da linha geral da silhueta dos Smith & Wesson M&P adotados pela maioria dos fábricas. Os calibres deste último eram .22 LR e 32 S&W Long, com canos variando de 2 a 4 pol. Os sistemas de abertura, trancamento do tambor, e ejeção dos cartuchos vazios eram originais também. O acabamento e a qualidade deste tipo ficava provavelmente abaixo das armas da Caramuru e INA, mas mesmo assim eram armas confiáveis. Todos os revólveres Castelo eram de ação mista (dupla e simples).


Belo exemplar de revólver castelo de 2º modelo, cal. 22 LR cano de 4”

Na década de 1960 a Castelo produziu também uma pistola de pressão cal. 4,5mm.
A Castelo, como muitas outras, fechou na época dos governos militares (por volta de 1970), devido a pouca competitividade, vendas reduzidas e às muitas restrições, com o projeto de uma pistola semi-automática e de um revólver calibre 38 SPL ainda na prancheta.

domingo, 30 de agosto de 2009

O “corpo fechado” e as armas de fogo





Uma das mais curiosas relações do homem com as armas de fogo é justamente o paradoxo que logo depois de seu aparecimento se tentou minimizar ou mesmo anular o efeito destruidor de seus projéteis. As primeiras armas foram contemporâneas das armaduras medievais e estas últimas pouco puderam fazer para proteger seus usuários, pois apesar do paulatino reforço em sua chapa para aguentar os disparos dos iniciais arcabuzes (armas com peso ao redor de 5 kg e com calibre que podia chegar aos 2 cm), em breve não resistiriam a perfuração causada por um projétil do mosquete. O brutal mosquete foi sucessor do menor arcabuz, geralmente era uma arma de 10/12 kg de peso, com calibre em torno de uma polegada -2,5 cm- e dizem que foi introduzida na Espanha no final do século XVI, devido ao peso tinha de usar como auxílio para a pontaria uma forquilha. Os soldados que a usavam ficariam eternamente famosos com o romance “os Três Mosqueteiros” de Alexandre Dumas.

Malogrando-se as tentativas de se evitar os ferimentos e mortes no plano físico, partiu-se em seguida para o plano etéreo, e se apelou para magia, e é deste assunto que falaremos.

Existem muitas crendices populares sobre armas, como por exemplo na França, que em meados dos séculos XVIII e XIX acreditava-se que havia “balas encantadas” que perseguiam o alvo até abatê-lo. Dentre as nacionais, como as que dizem que a depender do alvo a arma perdia a capacidade de atingir com precisão ou mesmo disparar, como atirar numa caçada contra um animal encantado que na verdade podia ser um dos seres elementais das nossas florestas como o curupira, a caipora, o mapinguari, desgraçaria ou mesmo causaria a morte do caçador. Atirar contra fantasmas, contra lobisomens e mulas sem cabeça, dentre outras criaturas fantásticas que habitavam as florestas e os sertões místicos etc. Atirar contra um “murundu” (cupinzeiro) estragaria a precisão da arma. Dentre muitas outras superstições se enquadram as crenças (principalmente no nordeste do Brasil) do “corpo fechado”, que era invulnerável aos ferimentos de facas e armas de fogo, ou capaz de enganar ou desnortear o perseguidor ou assassino através de fórmulas mágicas, patuás ou “breves”. Um dos mais célebres portadores de “corpo fechado“ foi o cangaceiro Lampião, que teria sobrevivido a diversos ferimentos de arma de fogo.

Conseguia-se o corpo fechado de várias maneiras, a mais comum era com o uso de uma poderosa e secreta oração que podia ter vários efeitos: impedia que a arma do adversário disparasse, causando negas de percussão, ou caíam as balas alguns metros após deixar o cano, ou a depender da força da magia saía água do interior do cano!! Evitavam que o inimigo visse com clareza o possuidor da “mandinga” (o famoso “envultamento”), embaralhando a sua visão causando tonturas ou alucinações.

Meu querido avô me contava dentre as várias e coloridas estórias que ouvi dos mais velhos na minha meninice, quase todas indo do período final do Séc. XIX até a “República Velha”, sobre um cidadão que se metamorfoseava - aos olhos do observador apenas, diga-se de passagem - em um pé de pimenta. Outro caso que ilustra bem este tipo de mandinga me foi contado pelo “seu” Anísio, um descendente direto de escravos que foi trabalhador agregado da fazenda de meu avô, que um cruel e famoso pistoleiro do norte de Minas Gerais estava sendo perseguido por um camarada disposto a vingar-se. Numa estrada deserta os dois oponentes se encontraram a la Western spaghetti, quando a carabina “papo amarelo” foi empunhada pelo vingador, seus olhos são obscurecidos por uma nuvem negra, não morrendo este por pouco, em outro encontro quase fatídico desta vez numa vila, o assassino é protegido por um grupo de crianças que saídas do nada fazem barreira contra as balas da 44, enquanto o maléfico vai embora rindo. A magia se quebra quando o “vingador” encontra na casa da amante do pistoleiro uma peça de sua roupa, e com ela amarrada à boca do “rifle” finalmente acerta-o, matando-o, o cadáver do assassino ficou encostado numa árvore, morreu de pé, tendo seus dedos sido quebrados para se poder retirar o revólver...

Outra maneira de se conseguir o corpo fechado é usando um patoá, patuá (ou “breve”) palavra certamente derivada dos dialetos franceses “patois” (cuja pronúncia é mesmo patoá), é em síntese um amuleto em forma de saquinho que contém uma oração, ossos, cordões bentos, ou outro sortilégio. É carregado junto ao corpo, ou nas vestes do portador. Este também permite “envultar” das diversas maneiras já elencadas acima ou fazer armas falharem. Sobre isso meu avô contava que na Serra do Vitorino (Bahia), lá por volta de 1920, dentro de uma vendinha começou uma confusão, três elementos empurram um outro para fora do boteco, e em seguida já no terreiro descarregam suas “rabo de égua” (grandes garruchas de percussão) contra ele, de dentro da fumaceira da pólvora negra saiu o camarada ileso!! Este “dito cujo” em seguida arranjou confusão com um “caboclo cabo verde” (mulato de cabelo liso, mestiço de índio) e armou para matá-lo, quedou-se acocorado dentro do ranchinho de pau-a-pique do caboclo próximo a porta dos fundos, mas o branco de sua camisa destacou-se num dos buracos do barro denunciando-o, e foi ali que a boca da garrucha do índio, que o havia visto a distância por causa disto, foi colocada, de um tiro a queima-roupa nas costas o infeliz desabou mas não morreu de imediato, levado a vila lá resistiu por algumas horas. Morria... A vela era colocada nas suas mãos e num gemido gutural e medonho retornava do mundo dos mortos com muito sofrimento, chamado para atender o caso meu bisavô Teófilo Carvalho (o sangrador da vila, fazia sangria, abria abscessos etc, numa época difícil onde não haviam médicos formados por perto).
- Seu Tiófilo, tira o que está em meu bolso esquerdo, ele não me deixa ir...
- Olha aí, vai confiar nestas porcarias, pois foi bem no lugar do patuá que a bala entrou.

Logo que retiraram o patuá o camarada deu um gemido medonho e foi-se embora para de onde não se volta...

Colocaram como de praxe a moeda na boca do defunto (simpatia para que o seu assassino não pudesse ir longe, por causa dos pés inchados ou ficasse andando em círculos, certamente isso encontra eco nos antigos ritos gregos mortuários de pagar a travessia do rio Aqueronte ao barqueiro do Hades: Caronte, adaptado para os costumes patriarcais e violentos do nordeste e Brasil agrário). O caboclo assistiu do mato as exéquias do valentão, esperou o sepultamento, retirou a moeda do cadáver, e como diz o povo caiu “na arca do mundo”...

Podia-se ainda conseguir o corpo fechado quando se usava imagens ou objetos sagrados inseridos na própria carne (pequenas imagens de santos por exemplo), assim fez um camarada que encomendou a outro que ia a Roma, uma “lasca do santo lenho” (a santa cruz original), o outro não achando lhe deu uma lasca de madeira qualquer, com o que ele passou a barbarizar com atitudes de valentão, o compadre espertalhão ficou curioso com tais façanhas feitas com um reles pedaço de pau, e esclarecido o engodo acabou a fé do suposto recente valentão, que voltou a ser “mofino” (covarde).

Deve-se esclarecer que o corpo fechado ainda podia ser obtido pelos rituais da Umbanda e do Candomblé (os “catimbozeiros” das caatingas), por simpatias, e além de proteger contra armas de fogo e brancas servia ainda pra adivinhar emboscadas, proteger contra mordidas de animais hidrófobos ou venenosos, mau olhado, bruxarias, evitar coices e amansar animais bravos... Mas em nenhum dos casos podia-se atravessar rios ou cercas de arame farpado, pois nessa situação ficavam vulneráveis aos tiros dos inimigos...

Se tudo isso é verdade não sei dizer, mas por via das dúvidas fico com a opinião de Shakespeare em Hamlet : “Há mais coisas nos céus e na terra, Horácio, do que sonha a tua vã filosofia".








domingo, 9 de agosto de 2009

Farinha, toucinho e “bala de rife”...

Particularidades do comércio de armas no Brasil do início do Séc. XX

Típico Armazém onde se vendiam todos os tipos de produtos, Lençóis Paulista - SP, 1908.



O Brasil é um país de dimensões continentais e isso é um fato mais do que conhecido. A distância entre o litoral e os mais afastados rios, florestas, sertões, chapadas, pantanais, e demais regiões do interior, por vezes é imensurável. O progresso seguiu naturalmente o rastro dos bandeirantes, jesuítas, tropeiros e boiadeiros, e as cidades e vilas foram se criando e estabelecendo as fronteiras deste colosso. Obviamente foram necessárias armas de fogo, que, acompanhando a marcha dos desbravadores, serviam para a defesa naquelas imensidões sem lei e sem civilização, e para a caça sempre abundante em nossas matas, sertões e cerrados. Mas depois da colonização e do povoamento, com a construção das trilhas e estradas, devia-se prover de suprimentos as vilas e cidades; era necessário o comércio de todos os tipos de produtos, incluindo-se aí o de cutelaria, ferramentas, armas e munições.

Da segunda metade do Séc. XIX ao início do XX se alguém entrasse em um armazém (a conhecida “
venda” em algumas regiões, embora alguns defendam que o nome armazém defina um comércio maior e mais sortido) para fazer a compra mensal não causaria nenhum espanto se na sua lista, constassem além de farinha, toucinho, querosene... balas de “rife” 44, pois eram produtos necessários e encontradiços em qualquer loja de interior. Indo mais além e divagando um pouco (ou muito), seria engraçado poder dizer que guardadas as devidas proporções, as antigas “vendas” tinham a mesma filosofia das atuais redes de grandes supermercados: prover o cliente com absolutamente TUDO que ele precisasse como mantimentos, bebidas, artigos de armarinho, louças, utensílios domésticos dos mais variados, tecidos, papelaria, calçados, perfumaria, artigos agropecuários, fumo, artigos de pesca, querosene, cutelaria, ferragens e ferramentas, incluindo-se aí em muitos casos armas e munições.

Naquele momento da história do Brasil (até o fim dos anos 20), nas capitais e nas nossas mais importantes cidades, grandes lojas e firmas de importação traziam o melhor da Europa e América do Norte em todos os
campos. Senhoras e cavalheiros podiam usufruir a moda e refinamentos ao mesmo tempo em que eram lançados nas cosmopolitas metrópoles estrangeiras, a Belle Époque, uma época de fato áurea...

Mas o Brasil não fabricava costumeiramente armas naquele momento, e pode-se citar o anuário d
o Departamento de Comércio Exterior dos EUA em 1914 como importadores e comerciantes de armas do Brasil: no estado da Bahia- Brandão, Mário Dias, rua Guindaste dos Padres, 26, Machado, Soares & Co., Rua dos Droguistas, Palmeira, Beltrão & Fernandes, Rua Conselheiro Saraiva, 31. Em Campinas-SP- Palmieri, F. A., Rua 13 de Maio, 36. No Ceará- Viúva Villar &, Filhos, Rua Major Facundo, 72, João Tibúrcio Albano, Rua Floriano Peixoto, 46. No Pará eram Antunes, Simões & Co., Rua João Alfredo, 95, Araújo, Martins & Co., Boulevard da República, 9, Agostinho da Silva & Co., Rua João Alfredo, 36, Soares & Co., Rua 28 de Setembro, 192, Cunha, Cerqueira & Co., Rua 15 de Novembro, 53, J. A. Monteiro, Rua 15 de Novembro, 3, Joaquim L. Cerqueira & Co., Rua 15 de Novembro, J. A. da Silva Ferreira & Co., Leite Junior & Co., Rua João Alfredo, 18, Martins Vieira, Rua 15 de Novembro, 43 , Moreira, Gomes & Co., Rua 15 de Novembro, 7. Em Pelotas-RS- Bromberg & Co., Viúva. Behrensdorf & Co., Scholberg & Co. (esta firma ao que parece por algum tempo teve alguma associação com a Casa Laport do RJ), ainda no RS em Porto Alegre-RS encontraremos Bromberg & Co., Viúva Behrensdorf & Co., João Matuscheck. Em Rio Claro-SP, temos a Casa Gaetano Castelhano & Cia. No Rio de janeiro- Barbosa & Mello, Rua do Hospício, 154, Carneiro & Cia., Braga, Rua Visconde de Inhaúma, 03, Companhia Americana de Sellos-Coupons, Avenida Rio Branco, 10, Companhia Eusébio de Rocha, Rua do Theatro, 3, Dietrich, Paulo, Rua da Alfândega, 48, Pontes, A. G., Becco da Lapa dos Mercadores (sendo seu agente para os EUA a American South American Shipping Co., 78-80 Broad Street, New York City), Hasenclever & Cia., Avenida Rio Branco, 69-77, Hopkins, Causer & Hopkins, Rua Theophilo Ottoni, 95-99 (ramo da Hopkins, Hauser & Hopkins, 48 St. Paul's Square, Birmingham, England), Kramer & Cia., Rua General Câmara, 23, a famosa Emile Laport & Cia., Rua da Alfândega, 79 (sendo seu agente para os EUA, Markt & Schaefer Co., 193-195 West Street, New York City), Mestre & Blatge (esta era uma firma francesa precursora da atual "Mesbla", era especializada no comércio de máquinas e equipamentos), G. Laport & Cia., Rua dos Ourives, 34. Lucas, Armand, "Union Commerciale Franco-Bresilienne”, Rua Didimo, 14, Machado, Edmundo, Rua Visconde de Inhaúma, 64, Pereira & Cia., Bruggeman, Rua da Alfândega, 92, Pinto Irmão & Cia., A., Rua da Carioca, 7, Stoltz & Cia., Herm., Avenida Rio Branco, 66-74 (sendo seu agente para os EUA Hesslein & Co.,43-45 White Street, New York City), Thomas & Cia., A., Avenida Rio Branco, 14 (ramo da A. Thomas & Cie., 15 Rue Martel, Paris, France), Veiga & Cia., Mayrink, rua Municipal, 21 (agentes, Beatty Altgeldt & Co., Manchester, England; Thomas Turton & Son, Sheffield, England; Emil Gaua, Hamburg, Alemanha), e Vivaldi & Cia., Rua S. Bento, 14-16. Em Santos-SP, Ferreira de Souza & Co.,Guimarães, Antônio M. Rios & Ferreira, Pedro dos Santos & Co., Zerrener, Billow & Co. (com escritório em São Paulo). Em São Paulo- Armbrust & Filho, Largo de São Bento, 14, Baldan, Antonio, & Filho, Rua Florêncio de Abre u, 44, Campos, A. S., Rua de São Bento, 39ª, Duarte, Serva & Co., Rua Libero Badaró, 11, Araújo de Martins, & Co., Rua do Rosário, 15, Miguel, Ângelo Monte Pietro, Rua de São João, 127, Quilici & Filho, Av. Rangel Pestana,288ª, Riechmann & Co., Caixa do Correio, 133, Sarli, Luiz, Rua de São João, 49, Sarli, Nicolino, Largo de São Bento, Sil va, D. Roque da, Rua de São Bento,22ª, Zerrener, Billow & Co., Rua de São Bento, 81. E por fim em Vitória-ES, Frederico Dahlinger, na Avenida da República.



Tais representantes comerciais tinham por muitas vezes sócios estrangeiros ou representavam fábricas (no fim do Séc XIX o Rio de Janeiro foi o paraíso dos armeiros belgas), importando diretamente grande quantidade de armas, além de em alguns casos cutelaria, ferramentas, ferragens e artigos de montaria (sendo corrente entre os colecionadores paulistanos uma “lenda urbana oplológica” de que haveria uma tradicional e antiga loja de ferragens no centro de São Paulo, que teria algumas caixas originais de Winchester 73 ainda lacradas...). Assim veremos em diversos catálogos além de pistolas de dois canos, revólveres, pistolas semi-automáticas, carabinas e até mesmo fuzis Mauser e Mannlicher, chegando todas estas armas a serem vendidas por catálogo e pelo reembolso postal (!), sendo a legislação brasileira da época mais moderna e liberal que a atual, não havendo grandes restrições a tipos de armas e calibres...

Mas se fuzis e mosquetões tipo militar sempre foram armas bem mais caras e restritas a um público mais específico, pois eram a espinha dorsal dos arsenais dos coronéis, seus jagunços, e dos cangaceiros, as carabinas Winchester eram a armas de todos (variando das raríssimas mod. 1866 às raras 1894, até às popularíssimas mod. 1873 - a “papo-amarelo” - e as mod. 1892), uma verdadeira praga, estas sim vendidas literalmente em qualquer armazém de “secos e molhados” (daqueles saudosos com 6 ou 8 portas na fachada). As carabinas e Fuzis de alavanca Marlin (diversos modelos) e Colt Lighting, inclusive em calibres totalmente inusuais do tão comum 44-40 também aparecem, mas não são comuns por aqui, e na minha modesta opinião se vê um deles para cada 10 Winchester (dizem que carabinas Marlin são algo mais encontradiças em algumas regiões de Minas Gerais, pois naquela época um comerciante local comprou um grande lote de Marlin). Dividindo a preferência com a Winchester as espingardas também sempre foram armas de muita utilidade na caça e proteção do sítio e da roça do caboclo ou mateiro, sendo bastante populares as de percussão (até quase totalmente por motivos econômicos, pois a pobreza grassava), substituídas paulatinamente pelas que usavam cartuchos à medida que a maior industrialização fazia o preço destas baixar. Até alguns anos atrás (os anos “pré-estatuto”) espingardas de percussão artesanais (as “pica-pau”, “rabo de cotia”, “rela de banda” dentre outros pitorescos nomes) ainda eram vendidas livremente em feiras do Norte/Nordeste do Brasil. Para defesa as armas preferidas também por motivos econômicos, eram modestas Garruchas de 2 canos raiados, sendo as de origem belga e espanhola em calibres 320, 380 e 440, fartamente encontradas em nosso meio. Revólveres e pistolas semi-automáticas eram bem mais caros, daí por este motivo também as já citadas armas belgas e espanholas (a maioria cópias de famosas armas americanas e européias), terem tanta preferência entre nós, pois simplesmente “funcionavam” e eram as mais baratas Houve época até que nossos matutos ficaram exigentes e queriam somente usar munição de origem
americana fabricada pela Remington e Winchester, em detrimento a munição nacional da época, que tinha precária qualidade. (sabidos eles!).

Não devemos nos esquecer dos queridos mascates e caixeiros viajantes que percorriam no lombo de mula e cavalo os caminhos tortuosos e inacessíveis do sertão, da mata, e da serra, levando mercadorias a esquecidas vilas e fazendas localizadas no “fim do mundo” (segue uma alusão aqui a persistente alcunha de “turco” aos imigrantes do Líbano e da Síria que ocuparam por muitos anos esta função), e que segundo consta muitas vezes trouxeram dentre as suas encomendas armas e munições, até mesmo caixas lacradas que iam parar nos arsenais privados de coronéis.

Assim, embora obviamente não se deva ter a falsa impressão de que se pudesse comprar armas em qualquer esquina (a grande maioria dos comércios vendia apenas pólvora, espoleta e chumbo), podia o civil comum nos pontos mais distantes de nosso país usufruir em qualquer bom armazém ou loja do que de melhor existia na armaria mundial, e de fabricantes de todas as origens (e certamente também com que existia de pior, aliás, se vê cada coisa estrambótica que não se sabe como entrou aqui).

Ressalvo ainda que nos lugares onde existem colônias específicas de imigrantes, há armas que não são vistas em outras regiões, assim, por exemplo, veremos no sul do Brasil antigos fuzis de tiro ao alvo tipicamente alemães e/ou suíços, ou a posse de revólveres tipo Abadie em mãos de imigrantes portugueses, etc.

Tal situação liberal mudou depois da revolução de 1930, com a publicação do decreto do exército R-105 que proibiu quase tudo, desarmando as unidades e arsenais da Guarda Nacional em mãos dos coronéis, obviamente com o objetivo claro e prático de truncar as tentativas de contra-revolução (e mostra nestes 79 anos do R-105 claramente a falência da pura e simples proibição, aliás, leis nunca impediram os homens maus de conseguirem suas armas, mas aos bons sim... Um caminho mais lógico seria a legalização mais abrangente e um controle mais efetivo e coerente destes artefatos).

Bons e honrados tempos eram aqueles, onde se podia além da farinha e do toucinho pedir ingenuamente (não havia o banditismo que há hoje, e quase todo cidadão era acima de qualquer suspeita, pois um fio do bigode de um homem era dado como garantia e considerado um “contrato” comercial, mesmo nas famílias mais simples a educação, o trabalho, o respeito ao próximo e a honestidade eram valores primordiais) e legalmente (pois a legislação era branda e coerente) ao simpático “vendeiro” alguns cartuchos para a nossa carabina Winchester ou Marlin cal. 30-30.






domingo, 26 de julho de 2009

A Pistola Schönberger

A 1ª variante da pistola Schönberger


No mundo das armas de fogo da mesma forma que no mundo real, os pioneiros abrem o caminho para seus congêneres a duras penas e seus nomes não raras vezes são cobert
os pela poeira do esquecimento. Compartilhando do injusto limbo do ostracismo da memória oplológica com o revolucionário revólver Guerriero, uma arma que lançou o sistema de tambor basculando lateralmente (“swing out”) antes do celebrado modelo do Colt 1889 (ver artigo sobre ele neste blog), está a raríssima pistola semi-automática austríaca Schönberger.

A primazia de ser a “primeira” pistola semi-automática de sucesso comercial cabe a Alemã Borchardt, mas é fato sabido que ela não foi exatamente a “primeira” arma deste tipo. Na cronologia da evolução das armas automáticas Hiran Maxim no ano de 1883 experimentava uma carabina Winchester 1866 modificada para ser arma de funcionamento semi-automático, e logo após viria à luz em 1885 a sua eficaz metralhadora, a primeira totalmente automática. Obviamente que depois do sucesso de seus projetos e os experimentos de outros inventores, logo se pensou em usar a nova tecnologia que aproveitava o gás residual do disparo para movimentar o mecanismo, para as armas de punho, assim surgem as pistolas semi-automáticas, das quais para ser sincero nem mesmo a Schönberger teria sido a primeira, mas o “elo perdido” primitivo seria a arma criada na França pelos irmãos Clair (Jean-Baptiste, e Benoit Clair). Os Frerés Clair possuíam um ateliê de armas fundado por seu pai em 1838, a Manufacture mécanique d'armes de luxe et de guerre de Saint Etienne, na qual produziram armas brancas, armas de fogo, canos raiados para fuzis e armas de ar. Os experimentos do criativo Benoit incluíram dentre outros uma pistola e um rifle ditos “automáticos” (respectivamente patentes de 1887 e 1888). Desta pistola quase nada se sabe, exceto que provavelmente era do tipo gás-operada (por recuo Indireto de Gás), muito pesada, e usava um cartucho experimental calibre 8mm derivado diretamente do cartucho M1882 suíço de calibre 7.5mm (o 7.5 mm Swiss Army Revolver, com diâmetro de aro de 10.34 mm, certamente cartucho difícil de trabalhar numa arma de funcionamento automático, e de fato há relatos que era bem propensa a emperrar de maneira constante), tinha capacidade de cinco cartuchos carregados com a novíssima pólvora sem fumaça. De sua autoria também é um fuzil de caça de repetição que alcançou certo sucesso o “Clair-Eclair". Os dados e a aparência da pistola de Benoit Clair desapareceram na história, sendo raramente citada.

Tendo feito justiça ao citar este modelo, vamos finalmente à pistola Schönberger-Laumann, tão esquecida e misteriosa quanto a visionária arma projetada pelos irmãos Clair. A Schönberg
er M1892 foi patenteada no império Austro-húngaro em 17 de novembro de 1890 por Joseph Laumann, e nos EUA em 1892. Apesar da denominação do modelo levar o ano de 1892, não se sabe com certeza se entrou em produção efetiva pela Oesterreichische Waffenfabrik-Gesellschaft, Steyr, nesta data (fala-se até que o real início de fabricação teria sido em 1895, depois da patente do desenho de um segundo subtipo desta arma com um magazine melhorado). A real ‘paternidade’ do projeto gera outra série de controvérsias, tendo os direitos sobre o desenho pertencido por dois anos a Joseph Laumann, que os teria vendido aos irmãos Schönberger (de quem se diz que também teriam participado do projeto, fossem um dos diretores da Steyr, ou talvez seriam os financistas de Laumann), de qualquer forma a arma é também conhecida pelo nome de todos os envolvidos...

Sobre a descrição técnica da arma, o que podemos dizer é que inicialmente era uma arma de repetição manual que se converteu em arma de acionamento automático com ação por recuo direto simples retardado, (fecho do tipo delayed blowback). A armação era sólida com um carregador monofilar municiado por um clipe de 5
tiros situado à frente do guarda mato, herança dos fuzis militares de então, este tipo de alimentação ainda seria moda nas pistolas subsequentes como a Mauser C-96 e diversas de desenho de Bergmann. Na lateral tinha uma alavanca para armar o mecanismo de disparo (bastante delicado), que também seria utilizada depois esporadicamente em alguns modelos de pistolas.

O mecanismo era deveras sui generis
dentre as pistolas, pois no momento do disparo a culatra era bloqueada firmemente por um ferrolho cilíndrico com um único fecho composto por um braço bifurcado em um excêntrico, a cabeça do ferrolho sustentava o aro inteiro do cartucho, quando a arma é disparada a espoleta colocada profundamente dentro do estojo recuava devido a pressão da explosão da pólvora, cerca de 1/18 de polegada dentro de um canal até ser parada pela face do ferrolho, mas era o suficiente para atingir o pino percussor empurrando-o para destravar o excêntrico, deixando o ferrolho livre para voltar, movimentando em seguida o braço bifurcado contra uma mola, fazendo-o fechar o ferrolho e deixando a arma em posição de novo disparo.


O Cartucho que a Schönberger usava tinha calibre nominal de 8 mm e foi projetado em 1890 e reformulado em 1892 para uma pistola desenhada supostamente por Konrad Von Kromar (da qual não se tem muitas informações), sendo intercambiável com o 8mm Steyr (8x23R Steyr). Era do tipo “garrafinha”, Rimless, como dito acima tinha a espoleta colocada bem internamente, e ficou conhecido como 8 mm Schönberger, ou ainda 8 mm Selbstlade Pistole System Kromar, 8 mm Schönberger-Kromar, 8 mm Kromar Revolver, 8 x 22,5 R Revolver, GR 350, SAA 3775 e EB 091. O projétil tinha diâmetro real de .323 milésimos de polegada, e peso de 125 grains.

A Schönberger apesar de ser uma arma portátil e até prática comparada com a subseqüente pistola Borchadt (os dados gerais da Schönberger se perderam, mas a longitude total da arma sabe-se chegava a 20 cm), não decolou, sendo fabricadas cerca de cem unidades (ou apenas algumas dezenas, não se tem um consenso sobre a quantidade total produzida). Foi substituída na linha de montagem da Steyr pela pistola Mannlicher em 1894, um projeto obviamente superior.

A pistola Schönberger-Laumann teve esta primazia, a de ser a pioneira arma de mão que usou a força dos gases dos disparos para movimentar um mecanismo de maneira semi-automática em ciclo completo, embora não tenha sido produzida em grandes quantidades, com pouco sucesso comercial, abriu caminho a suas congêneres mais efetivas, robustas, e como um velho mestre que reconhece a capacidade dos próprios discípulos, cede-lhes o espaço e lhes dá a missão de continuar o caminho, furtivamente desaparecendo da história da Oplologia entrando para as brumas da lenda.

segunda-feira, 22 de junho de 2009

A arma de Milemete

Walter de Milemete, este nome evoca uma figura importante para a Oplologia e quase desconhecida no Brasil. Em um manuscrito de 1326 reputado como de sua autoria, intitulado "De Nobilitatibus, Sapientis, et Prudentia Regum" (“sobre a fama, sabedoria e educação dos reis") e apresentado ao Rei Edward III quando da sua ascensão ao trono da Inglaterra, aparece numa iluminura (reproduzida acima) a primeira representação visual conhecida de um rudimentar canhão (ou arma de fogo).

Milemete, pelas poucas informações que se tem dele, foi um Mestre, estudioso, eclesiástico e pároco no condado da Cornualha (situada na extremidade do sudoeste de uma península da Inglaterra), e seu famoso manuscrito destinado a aprimorar a educação do Rei Edward III (que sucedeu Edward II depois de seu assassinato em 1327), versando sobre temas gerais como filosofia, política, religião, virtudes morais, o bom governar, a administração pública, as artes da guerra, etc, está conservado na Biblioteca da Igreja de Cristo em Oxford. O texto era ricamente ornado com desenhos variados (iluminuras) mostrando heráldica, cenas de flerte, combates, torneios, caçadas, animais mitológicos e animais híbridos com o homem...

O desenho mostra o que alguns denominaram depois como a “Arma do Monge”, um pequeno canhão em forma de pêra ou vaso com quase um metro de comprimento, apoiado numa mesa sem fixação aparente (e o recuo?), disparando uma seta. O soldado que o maneja, usa um pedaço de ferro em brasa para inflamar a carga de pólvora (ou substância análoga).

Registros escritos de armas existem recuando mais no tempo, em datas como em 1281, o gentil-homem francês Giovanni D’ Appia (Reitor do Papa Martinho IV, enviado para sufocar o governo antipapal constituído pelos Gibelinos em Forli e Cesena), foi testemunha da incrível presença de “fusiliers ou schioppettieri” entre os soldados do famoso conde Guido de Montefeltro (de Urbino, Itália). Na mesma campanha na defesa de Forlì, Itália, durante o cerco que durou de 1281 a 1283 foram usados canhões apelidados de “os jarros de Forli”, certamente devido talvez ao seu formato de “pêra ou vaso”, que nos remetem de imediato a visualização da arma do manuscrito de Milemete. Este tipo de arma seria chamado pelos italianos pelo seu formato peculiar de “vasi”, e pelos franceses de pot-de-fer. Neste mesmo período (1326) o poderoso Conselho de Florença ditava as suas rígidas regras ao que parece, para a manufatura de canhões e balas de metal (“pilas seu pallectas ferreas et canones de metallo”). Em 1327 o mesmo Edward III usou canhões contra os Escoceses, e na Guerra dos 100 anos na batalha de Crécy em 26 de agosto de 1346, os ingleses teriam usado três canhões contra os franceses. Outra figura de um pequeno canhão aparece no manuscrito “Belli Fortis”, da autoria de Konrad Kyeser, escrito ao redor de 1400.

No tocante a armas que disparavam dardos ou setas como a mostrada na ilustração de Milemete, um manuscrito de 1338 (conservado na Biblioteca Nacional De Paris), cita que na cidade francesa de Rouen usaram-se "pots de fer à traire garros de feu" ou seja " panelas ou potes de ferro para atirar setas de fogo. Corroborando isso outros registros também falam de setas de madeira providas com penas de metal. São citadas no inventário real (English Privy Wardrobe) da Torre de Londres no ano de 1377, centenas de grandes setas metálicas com empenagem (cauda), provavelmente de estanho, ao lado de 22 canhões (e numa lista posterior arcabuzes ou mosquetes) que disparavam o mesmo tipo de projétil, os mesmos inventários da Torre de Londres citam ainda quatro" "moldes vocate formule pro pelletis infudendis", ou moldes para fundir as “balas” (vocábulo popular para projétil e derivado do verbo grego ballo – atirar, lançar, arremessar) como também 1348 libras de " Plumbi em pellottis" ou - 612kg de chumbo em pelotas. No inventário real de 1388 estão registrados 3 “parvos vocatos” (armas ou canhões de mão).

Uma arma bem semelhante à de Milemete seria a bombarda de Loshult, na Suécia (foto abaixo), datada como por volta de 1350, uma pequena miniatura de canhão de 30cm de comprimento em formato de vaso como o da iluminura.
Daí em diante aparecem os “handgonnes”, algo como “arma de mão”; no inglês arcaico Gonne = gun, arma. (que vem da palavra arcaica engyn, ou máquina), No idioma alemão tais armas primitivas eram chamadas “Faustbüchsen”, “Faustrohr”, hakenbüsche (literalmente “arma com gancho”, tendo esta denominação se popularizado e criado o posterior termo Arcabuz para armas mais modernas), "Büchss“ e “Büss, sendo estes dois últimos termos incrivelmente relacionados com a caixa de esmolas de madeira das igrejas!! Palavra provavelmente derivada do latim medieval Buxis (“caixa", que geralmente era feita com madeira de Buxo). Alguns dizem que pelo formato quadrado das coronhas de então, que teria alguma semelhança com a caixa de óbolos. Em dinamarquês medieval tais armas eram conhecidas por "Bösse".

A evolução natural levou as armas portáteis a mudar a forma de um pequeno vaso, óbvia redução em escala de uma bombarda maior, para tubos metálicos cilíndricos ou com facetas, alongados ou curtos, alguns equipados com ganchos (que deveriam ser apoiados nas muralhas e frestas dos muros dos castelos), e inseridos na ponta de um cabo de lança pra fazer fogo (e assim são vistos em vários desenhos e tapeçarias medievais), ou amarrados com tiras de couro ou metal a pedaços de madeira à guisa de primitiva coronha. Nesta conformação de arma com gancho, se apresenta o curioso hackenbüsche conhecido como “arma de Morko” da Suécia, com sua face humana barbuda e suas inscrições de motivos religiosos, e o de Vedelspang, em Schleswig, ou o cilindro curto achado no castelo de Tannenberg, ambos da Alemanha.


Tempos depois seriam incorporadas aos arcabuzes as verdadeiras coronhas de madeira envolvendo o cano a e culatra (inspiradas a princípio nos modelos usados nas bestas e balestras), as massas de mira, e em seguida a revolucionária chave de mecha ou serpentina (o “matchlock), que substitui com vantagens táticas e técnicas o infame uso do ferro em brasa ou um segundo operador portando um pedaço de madeira ardente para incendiar a teimosa carga de pólvora negra. Sobre este mecanismo, suspeita-se que foi concebido em Liége-Bélgica por volta de 1375, (embora o códice Vindobana, um manuscrito da cidade de Viena do início do Séc. XV, já ilustrava uma arma equipada com uma grande serpentina em forma de “Z”).


Com a evolução da primitiva metalurgia e os novos experimentos de pólvoras mais estáveis e melhores desenhos de câmaras de disparo, puderam finalmente as armas de fogo perfurar as armaduras (sendo estas reforçadas ao máximo, ao limite de maneabilidade do conjunto homem/cavalo). Os canhões destruiriam as paredes dos castelos, terminando por tornar seus muros inúteis. O arco, a balestra, a catapulta, foram paulatinamente sendo substituídos, e as armas de fogo envoltas no fumo da pólvora caminhariam então para a sua longa história, como companheiras de desdita do homem na sua saga pela terra, chegando à soberba sofisticação e precisão das armas dos dias atuais, que incluem até o titânio, cerâmica e polímeros em sua construção, coisa que Walter de Milemete jamais imaginaria quando desenhou para a posteridade a visão da experiência de um disparo de um tosco canhão apoiado numa frágil mesa...

quarta-feira, 10 de junho de 2009

Oplologia e colecionismo.


Vista parcial de uma das vitrines do maravilhoso Museu de Armas de La Nación em Buenos Aires, exemplo soberbo de conservação do patrimônio e cultura de um povo.


Numa roda de amigos num quente final de tarde, no chamado “happy hour” regado a cerveja, é mais do que comum as conversas girarem sobre as atividades do dia, o trabalho, o jogo de futebol, a política, as notícias sobre a situação do país e do mundo. E no meio a tudo isso, sempre se encontra um tempo para as paixões em comum, a maioria das pessoas encontra no esporte a sua válvula de escape das tensões diárias, mas um pequeno grupo tem lá as suas paixões mais específicas. O homem tem certamente um “instinto acumulador”, as pessoas guardam de tudo, de tesouros a velharias e inutilidades, e em certos casos patológicos até... Lixo. Nesta mesma roda de amigos, poderemos encontrar talvez um colecionador de carros, um filatelista (colecionador de selos) um numismático (colecionador de moedas) e quem sabe até um oplólogo... Oplólogo? Que raios vem a ser isso?
Oplologia é um neologismo de origem inglesa e italiana, foi cunhado na Inglaterra no século XIX por Sir Richard Burton e deriva dos vocábulos gregos Hoplon - οπλον, e λογοσ – o logos, como conhecimento, ciência. “Hoplon” era o grande escudo levado pelos Hoplitas (ὁπλίτης), o soldado grego de infantaria pesadamente armado, servindo a mesma raiz para designar o conjunto completo das armas dos gregos (além da armadura, grevas, escudo e elmo, usavam a espada de fio duplo, e lança pesada). Ainda relacionado há o termo grego Hoplos, que designa um ser mítico que era couraçado.
A Oplologia no início foi relacionada com a arte e técnica marcial, ao uso das armas, e depois de 1960 com Donald Frederick Draeger, passa a ser a relacionada como campo acadêmico de maior abrangência social, podendo se definir como a ciência que estuda a arte do combate e da guerra, da Filosofia e do logos do guerreiro, da história e estratégia militar, incluindo-se aí certamente o estudo da artilharia, das armas de fogo, das armas brancas, da munição, das fortificações, e também servindo de auxílio para outras ciências sociais. Na Itália, a palavra oplologia foi usada também a partir do século XX para descrever o estudo das armas e armaduras, e não propriamente só da parte prática, a das técnicas de uso.
Oplólogo então é o pesquisador ou estudioso do tema, que deve ter o necessário rigor científico, com pesquisa e literatura, mas sem esquecer a paixão (oplofilia) que estes artefatos sempre provocaram nos seres humanos (ou ainda no outro extremo ódio e medo, tão atuais e debatidos – a oplofobia,).
O estudo, conservação e colecionismo das armas de fogo, muito nos revelam sobre a cultura e a tecnologia da época em que elas foram feitas. As análises profundas das características técnicas e sociais nos fazem vislumbrá-las além de simples instrumentos mecânicos, pois foram parte da sociedade, as mantenedoras de poder e status social de seus proprietários. Pode-se inclusive se dizer que a função social das armas era ser representante visual da opulência ou penúria de seus possuidores, assim, por exemplo, frente a uma pistola com fecho de roda ricamente decorada do séc. XVI saberemos logo que pertencia a um nobre alemão, pelo alto valor econômico e artístico ali empregado, ao passo que frente a um mosquete de mecha rústico e simples do mesmo período e região, saberemos logo que era pertencente a um lasquenete (mercenário) ou soldado regular, pela modesta e prática construção.
As armas de fogo e canhões representam mais de 700 anos da inventividade e engenhosidade humana. Em cada arma como já disse, estão inseridos dados da sua época histórica, da cultura do povo que a construiu, cinzelados e burilados em metal bruto, ouro e prata, estão entranhados a sensibilidade e a habilidade particular de cada artesão, o que em certos casos pode transformar cada peça em uma peça única e de valor inestimável. Não se podem dissociar as armas da história, dos personagens das grandes tragédias, dos dramas humanos e dos importantes fatos mundiais. As armas fizeram sua aparição na sombria idade média como criaturas mitológicas, verdadeiros dragões que vomitavam fogo e metal, surgidas nos caldeirões dos alquimistas, e paridas pela mistura malcheirosa da primeira pólvora se esgueiraram para o campo de batalha medieval, através dos primitivos canhões de mão que evoluíram acompanhando a marcha constante do progresso humano, e se infiltraram no inconsciente coletivo com a mesma força de seus projéteis, que silvando perfuravam armaduras e destronavam reis.
Assim se consolida a oplologia como ciência social para somar a outras já existentes, conjugada com a balística em suas diversas vertentes (balística interior, exterior, de efeitos e forense), que cuida do estudo dos projéteis, tendo esta nascido junto com as antigas balistas e catapultas da idade antiga, antes mesmo das armas de fogo.
O colecionismo de armas tem por objetivo a perpetuação da memória e da história do homem, vem somar possibilidades a criação de um mosaico completo das diversas facetas técnicas e sociais de um período, possibilitadas pela metalurgia, artes, ourivesaria, engenharia, marcenaria, marchetaria, arqueologia, sociologia, literatura e demais ciências e técnicas.
Colecionar armas é sinônimo de cultura, conservação do patrimônio, e responsabilidade, bem ao contrário do que hoje se prega no Brasil, que seria sinônimo de ignorância e violência. O colecionador antes de tudo é um técnico, um estudioso, um literato apaixonado pelo que faz, e não raras vezes, um lutador solitário que se impôs a responsabilidade de preservar a memória militar e social de seu país, mesmo na contramão de seu povo ou momento político, que apenas anseiam pelo esquecimento ou pela ignorância plena.

sábado, 6 de junho de 2009

A Pistola Parabellum No Imaginário Popular...Um estudo pseudo-psicológico



Em matéria de indústria e comércio, com o passar dos anos, algumas marcas escaparam da simples condição de objetos e passaram a ser sinônimos da classe de produtos a que elas pertencem (no Brasil são bem conhecidos exemplos típicos disso, como certa marca de cerveja, ou uma lâmina de barbear que designam respectivamente estes produtos). Outras ainda conseguem ultrapassar esta já importante condição de marcos sinalizadores, e chegam à condição de legítima lenda, se tornando em objetos de desejo, símbolo de status social, econômico, ou sinônimo de bom gosto (Freud explica?).
Entre as armas de fogo, esta nuance da psique humana também está presente. Assim teremos as armas mais caras, dignas de marajás indianos com apliques em ouro, prata, marfim, cheias de trabalho artesanal, feitas por encomenda em maisons tradicionais (como as espingardas da Holland & Holland), ou em afamados armeiros custom. Objetos cuja função social e psicológica mais compreensível, é a de demonstrarem socialmente a opulência, a riq
ueza, e o requinte (ou até o extremo mau gosto a depender do caso) de seu possuidor. Bem como as feitas de maneira descuidada, com materiais inferiores, de pouca tecnologia, próprias para as classes menos favorecidas e despojadas materialmente, chegando algumas a ser também marcos ou sinônimos de coisa ruim, de baixa qualidade.
Mas há outras que apesar de feitas em seqüência industrial, com acabamentos absolutamente normais entram para este rol seleto das “lendas de aço”, unicamente pelo apelo popular, ou pelas suas boas características técnicas de confiabilidade, ou pela construção cuidadosa (apesar de puramente comercial). Assim poderíamos citar as Mauser C-96 (chamadas de "mausa caixa de pau" por causa do seu coldre/coronha), as Colt 1911, as pistolas da FN, e dentre dezenas de modelos e fábricas que não citaríamos por ser enfadonho, a arma que agora nos ocupa, baseada na pistola Borchardt C-93 modificada e melhorada por Georg Luger, e transformada na pistola D.W.M. Parabellum em 1900 (conhecida também como Luger por causa do desenhista).
A temida e desejada pistola Parabellum entra na história oficial do Brasil em 1906, com um contrato do Governo Brasileiro com a firma D.W.M. - Deutsche Waffen und Munitionsfabriken (Sociedade Alemã de Armas e Munições), sendo encomendado naquela feita 5.000 pistolas em calibre 7,65mm Parabellum, com capacidade d
e 8 cartuchos, segunda trava de segurança na empunhadura, sem engate de coronha, cano de 4 3/4", e esmerado acabamento com oxidação brilhante de um lindo tom azul veludo.
Era a virada do século XX, sendo isso por si só bastante apelo comercial, técnico, e psicológico, pois as pistolas “automáticas”¹ significavam a últim
a palavra, afinal o debute do automatismo em armas portáteis era bem recente (iniciado com a experimental pistola Schönberger, em 1892), como vantagens visíveis portavam mais munição, e eram mais rápidas no tiro que os tradicionais revólveres. Temos talvez aí a primeira das pistas de seu sucesso subjetivo na cultura popular: a modernidade que representavam.
O potente e veloz, mas pouco efica
z em poder de parada, calibre 7,65 mm Parabellum, é logo seguido por um 9 mm mais eficaz já em 1902, e embora armas neste calibre não tenham sido adotadas pelo governo federal do Brasil (mas ao que parece a polícia da Bahia na época comprou algumas Lugers em calibre 9 mm Parabellum, e talvez outras, embora a falta de documentos de época seja um entrave a pesquisa séria), os civis sim, estes usavam muito estas armas em 9 mm, sendo as poucas 7,65 mm vistas em mãos de colecionadores nacionais eminentemente militares. Temos aí a segunda pista do seu sucesso centenário: Poder, tanto o poder subjetivo, o de usar a mesma arma que os representantes do governo usavam (tanto o federal representado pelo Exército Nacional, ou os estaduais representados pelas suas tropas policiais “volantes”), quanto ao poder palpável, real, obtido pela força dos disparos dos cartuchos dos calibres 7,65 mm e 9 mm Parabellum, mais potentes que os dos revólveres em uso corrente entre policiais e cangaceiros da época. Isso se fixou no imaginário popular como quase um axioma, que um disparo da Parabellum podia furar um trilho de trem, “olho de enxada”, apesar da excelente penetração que estas armas tinham, isso é um grande exagero, sendo desmentido até por testes práticos de uma revista de armas anos atrás.
Misturando-se a tudo isto, ainda temos a mítica do desenho, a empunhadura (cabo) possuía uma curva sinuosa, sensual, quase feminina, garantindo a ergonomia de uma pega adequada a mão do atirador, poucas vezes conseguida, mas muito imitada em outras armas. A própria exótica operação com o manejo do fe
rrolho subindo (o nome técnico de ação de joelho - ou “toggle-joint action” já diz tudo), mais o preço elevado da arma, pela cuidadosa fabricação e acabamento (mais um item adicionado à lista: status, riqueza), bem como a quantidade de modelos e opções, e estava feita em parte a receita do sucesso e da popularidade deste tipo.
Os diversos modelos da Luger puderam ser vistos em mão
s de todo tipo de gente, popularizou-se entre policiais e cangaceiros, que depois de 1930 usavam os modelos 1906 e 1908 – sendo que a pistola que Lampião usava quando foi morto era uma Parabellum P-08 de 9 mm (mas antes disso ao que parece, usava uma em 7,65 mm, e exigia toda a munição desse tipo que encontrasse). Essa Parabelum 9 mm de Lampião segundo dizem, foi comprada pelo mesmo na cidade de Capela no estado de Sergipe, em 1929 na casa comercial de Jackson Alves de Carvalho, sendo aparentemente a mesma arma que foi encontrada com ele em seu fim trágico em Angico [aliás na famosa foto das cabeças cortadas pode-se contar nada mais nada menos do que 7 pistolas Parabellum, sendo bem visível uma do mod. 1906, as outras menos visíveis pois estão coldreadas].
Também na famosa foto posada do chefe de bando Chico Pereira (reproduzida ao lado), homem de posses e intelecto acima do bandoleiro comum, um tanto fidalgo até) está bem visível na cintura dele uma enorme pistola Parabellum do mod. de artilharia de 1917 (com cano de 20 cm de comprimento, contra os de 10 cm das mais habituais P-08, este tipo foi usado pelos serventes da artilharia do exército do Kaiser alemão na Primeira guerra mundial, daí seu nome), inusual por estas paragens, embora em entrevista há muitos anos com um ex-jagunço dizia ele que haviam muitas Lugers de cano longo pelo sul da Bahia. Ainda sobre personagens que usaram as Parabellum, os Coronéis, seus jagunços e pistoleiros de aluguel também a apreciaram, tendo chegado ao meu conhecimento pelas divertidas estórias do meu finado Tio Zeca, que lá pelos anos 40 trabalhou na fazenda de um rico fazendeiro na fronteira da Bahia/Minas Gerais. Ele me contou que na casa da sede tinham caixas fechadas com dezenas de carabinas Winchester e 8 pistolas Parabellum, além de outras armas curtas! Para economizar tempo na hora de limpar eles simplesmente jogavam óleo por cima e fechavam a caixa, bem como a popular e hilária estória de um camarada que ao ir à casa de uma “mulher da vida” em Bom Jesus da Lapa (BA), guardou a pedido da desconfiada “moça” que o “atendia”, a sua Parabellum num Bocapiu (sacola de palha)... que não tinha fundo... Ao cair no chão a arma (que por certo como diz o povo estava com “bala na agulha”) começou a disparar sozinha até ficar sem munição (típico defeito de pistolas, numa peça chamada fiador), ambos ficaram agachados num canto do quartinho da “moça”, agarrados e muito assustados, já se isso foi verdade é outro caso...
Mas a realidade técnica longe do mito é bem outra. A bem dizer a Luger em parte não justificava a sua boa reputação (mundial, pois foi arma de coldre padrão de dezenas de nações, lutou nas duas guerras mundiais, e é uma das mais procuradas por colecionadores até os dias de hoje), sim, de fato é uma arma precisa, mas por causa de seu desenho peculiar era cara de se manufaturar, tolerava poucas variações nas cargas dos cartuchos, tinha muitas peças pequenas, era bastante sensível à poeira, gelo e lama encontráveis em quase todo teatro de operações, pois o mecanismo não é coberto por inteiro, o seu carregador tinha tendências a encravar no 2º cartucho por causa da inclinação da mesa elevadora e da mola fraca, e o 1º era muito duro de se introduzir manualmente, mesmo assim foi um tremendo sucesso de vendas.
Mas em nossas terras longe de tecnismos, a fama da lendária pistola corria de norte a sul, notadamente no Nordeste das primeiras décadas do século XX, onde entrou sorrateira no imaginário popular (o famoso Parabelo) como uma das estrelas principais de uma época tão difícil de medo e violência: O ciclo do Cangaço.

Debutou num ambiente onde a falta de esperança no futuro e na justiça transformava por vezes a apatia em revolta, em mote da vingança. Numa terra de homens e mulheres destruídos moralmente e materialmente pela pobreza e pela fome (há relatos de vendas de pessoas e até macabras histórias de canibalismo), onde a tragédia humana da seca diuturna, que fazia as caveiras dos animais branqueando no pasto inexistente, rir com suas mandíbulas desencaixadas, lembrando aos homens que os seus natimortos, os menores, e os seus mais velhos em breve os seguiriam na jornada da qual não se volta. A política e o poder asfixiante dos coronéis, a grilagem de terra, a imensidão das caatingas sem lei, a pretensa liberdade dos bandoleiros, e isso tudo num caldeirão social em ebulição, permeado por fanáticos. Creio modestamente que a junção destes fatores contribuiu para que o mito da Parabellum se perpetuasse como uma arma potente e bela, símbolo de status social, instrumento de morte precisa e de poder. Poder esse que era ao mesmo tempo opressor e transformador, pois se a Parabellum era a arma dos odiados volantes e coronéis, também era a do “Capitão” Virgulino Ferreira e dos cangaceiros.

Os projéteis das Parabellum, rápidos como o vôo do carcará, e mortais como a cascavel, percorreram os ambientes hostis (tanto o natural como o social) das caatingas, e suas histórias como arma coadjuvante nas mãos de homens que primaram pelo heroísmo, traição ou covardia, mantidas pela tradição oral, chegaram aos nossos dias fascinando os pesquisadores modernos, que evidentemente tem de peneirar o joio do trigo.


¹ Na verdade pistolas são armas semi-automáticas, esta incorreção se perpetua até hoje tanto no meio popular como na mídia pouco técnica.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

Balística Interna: Operação em Armas Semi e Automáticas

Desde o surgimento das desajeitadas armas primitivas (os Hand cannons e Handgonnes), o maior problema para os projetistas de armamento sempre foi como obter a rápida repetição dos disparos. A antecarga era um processo lento e difícil, eventualmente quando numa caçada a aves, ou a caça pequena isso não seria um grande problema, mas com caça pesada avançando em direção do caçador a galope, ou em meio a uma batalha recebendo fogo inimigo isso deveria ser assustador.

O surgimento dos sistemas de retrocarga, com a introdução do primeiro e rústico antepassado do cartucho metálico, depois de inúmeros ensaios e sistemas frustrados, negas e certamente culatras explodidas, foi conseguido por Pauly em Paris no ano de 1812. A evolução natural com as modificações posteriores realizadas por Houiller, Lefaucheux (pai e filho), Flobert, dentre outros, viabilizou tempos depois a repetição rápida dos disparos e por fim o automatismo.

As primeiras experiências com armas de repetição semi-automáticas foram levadas a cargo pelo americano Hiran Maxim, que iniciou seus estudos modificando várias carabinas Winchester 1866 cal. .44 Henry (fraco para esta função) para disparo semi-automático, sendo que há quem diga que os Turcos teriam incorporado a algumas de suas unidades tal modificação em suas carabinas, utilizando-as na batalha de Plevna. Porém, o escopo de Maxim era o armamento militar pesado, tendo sido o criador da 1ª metralhadora automática.

A transferência dos sistemas de repetição manual para o automatismo ocasionou novos problemas na administração do recuo e no aproveitamento dos gases do disparo para a correta ciclagem do mecanismo (carga, disparo, extração, ejeção, recarga). Projetistas como Browning, Maxim, Krnka, Mannlicher, Roth, Petter, Schwarzloze, e inúmeros outros, criaram uma série de sistemas operacionais voltados e dimensionados as características das armas por eles criadas e quase sempre tendo em vista a potência dos cartuchos por elas empregadas.

Vamos de maneira resumida enumerá-los:

  1. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES (Ou Fecho Por Inércia - “Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    De maneira simplista poderíamos dizer que este sistema usa a força dos gases da queima da pólvora de maneira direta contra a face do ferrolho para obter o seu recuo e funcionamento do mecanismo. Não há nenhum fecho mecânico propriamente dito que atrase a abertura do ferrolho a não ser o peso fornecido pela própria massa, a fricção do ferrolho, e a força oposta pelas molas recuperadora e do cão. Todos estes elementos em conjunto, se opõem e resistem à força do recuo e a estupenda pressão gerada pelo disparo, atrasando a abertura do ferrolho para a extração e ejeção da cápsula, até que a pressão do gás caía a níveis seguros, ou seja, quando o projétil abandona a boca do cano. Caso contrário, o recuo (vulgo “coice”) seria bastante severo e haveria problemas de rompimento de estojos e escape de gases incandescentes em direção ao rosto do atirador.

    Este sistema é o preferido para armas de baixa potência e pequeno calibre como as .22 LR, e 6,35 mm Browning, embora seu teto teórico de operação seja comumente o 9 mm Curto (380 ACP) e o seu equivalente soviético o 9 mm Makarov. Calibres mais fortes obrigariam a arma a ter um ferrolho com bastante massa (peso) e molas duríssimas, como ocorre nas Astra série 400, e pistola Jo-Lo-Ar, ambas armas espanholas no potente cal. 9mm Largo.

    Curiosamente este é o sistema operacional mais usado em submetralhadoras, mesmo usando calibres bem mais potentes como eram vários tipos de 9 mm mais antigos (sendo atualmente usado apenas o 9 mm Luger) ou o .45 ACP, a preferência para este sistema de operação é devido a simplicidade do desenho, e para armas deste tipo geralmente se usa a uma mola de recuperação bastante forte com um ferrolho relativamente pesado operando aberto Como nas MP-18, MP-28, MP-34, MP-40, Carl Gustav, Sten, Uzi, MAC-10, INA, e em dezenas de outros modelos.

  2. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES RETARDADO (Inércia Retardada - “Delayed Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    A operação de inércia retardada também não é aferrolhada. Basicamente é um Blowback com a diferença de que o atraso da abertura da culatra é conseguido além do peso do ferrolho e molas, pela fricção entre peças mecânicas, massas de bloqueio, ou giro do cano sobre seu eixo através de guias ou canais helicoidais, que efetivamente exercem resistência contra o movimento inicial do ferrolho e contra as forças do recuo. Armas típicas deste sistema são a metralhadora Schwarzlose (com ressaltos no ferrolho que obrigavam o giro), a pistola Savage de 1915, onde o cano girava sobre seu próprio eixo, a famosa submetralhadora Thompson 1928 e seu sistema Blish de retardo através de fricção, e a pistola HK P9 com um sistema semi-rígido de trancamento por roletes na cabeça do ferrolho que se encaixam em depressões na armação retardando a abertura. Este sistema, aliás, é derivado do usado no fuzil automático Mauser Sturmgewehr 45, desenvolvido pela equipe do engenheiro alemão Dr. Ludwig Vorgrimmler na segunda guerra, que por sua vez se baseou no trancamento da metralhadora MG-42 [Este sistema ao que parece foi patenteado na Polônia por Edward Stecke em 1930] , foi reaproveitado nos fuzis CETME espanhóis, e posteriormente nos HK G-3 e demais, e na submetralhadora HK MP-5. Esta última com a vantagem maior para a precisão, de atirar com um ferrolho fechado.

  3. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES RETARDADO A GÁS (“Gas-Delayed Blowback Ou Gas-Retarded Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    Como no sistema de recuo direto (Blowback) o recuo simples direto a gás retardado, opera pelo princípio do ferrolho aberto, sendo a abertura da culatra atrasada por uma parte dos gases (não confundir com o sistema gas operated) que são desviados por um orifício no cano para dentro de um cilindro com um pistão que exerce resistência ao sentido original do recuo.

    Pouco utilizado ainda, tem nas pistolas HK P7 e na Steyr GB, seus maiores expoentes.

  4. AÇÃO DE GASES DE AVANÇO (“blow forward”). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    Ação com longo movimento de cano, geralmente desaferrolhada. Neste interessante e obsoleto sistema o ferrolho é fixo a armação, e o cano é que se move para frente durante o recuo!!! No seu movimento e deslocamento ocorre a extração e recarga dos cartuchos. Como expoente maior deste sistema cito a pistola projetada por Schwarzloze em 1908, que não possuindo nenhum sistema de atraso, sendo apenas do modesto calibre 7,65 Browning (.32 ACP) possuía um recuo brutal.

  5. AÇÃO DE RECUO DIRETO TOTAL CURTO (“Short Recoil“). Ação do Tipo Aferrolhada.

    A partir desta ação falaremos dos tipos aferrolhados ou seja com trancamento de culatra (“locked-breech”). Onde em geral o cano se prende mecanicamente ao ferrolho durante o percurso do recuo provocado pelo disparo.

    No recuo curto geralmente o conjunto ferrolho/cano recua solidário por um percurso menor que o comprimento total do estojo da munição que a arma dispara. De um certo ponto em diante o cano deixa de recuar sendo retido em seu percurso mecanicamente por uma peça qualquer, e o ferrolho continua seu deslocamento extraindo, ejetando o cartucho vazio e recolocando outro proveniente do carregador ou magazine. Este movimento de recuo pode ser linear como nas Luger, P-38, Beretta 92, ou ainda vertical trabalhando em um eixo basculante de uma biela (Colt 1911) ou plano inclinado (FN 35, MAS 35). Na Steyr 1911 o cano recua cerca de 33 mm, e ainda gira sobre seu eixo.

    As diferenças entre os diversos designs de sistema condicionam a velocidade de desaceleração do conjunto cano/ferrolho e seu destrancamento.

    É um tipo de ação usado em armas de grande potência, inclusive nas metralhadoras Browning cals. .30 e .50 (7.62 e 12.7mm) onde nestas, depois de desaferrolhar, existe um acelerador de inércia para o retorno do ferrolho.

  6. AÇÃO DE RECUO LONGO (“Long Recoil”). Ação do Tipo Aferrolhada

    Como no sistema de operação de recuo direto de gases com recuo curto do cano, no recuo longo o ferrolho também recua solidário, porém por uma distancia maior que o comprimento do cartucho disparado, recuando travado com o ferrolho até a parte final do percurso.

    Armas com este sistema geralmente têm molas recuperadoras distintas e independentes para o ferrolho e cano. Estes sistemas tendem também a ter um tempo de ciclo mais longo, mais lento, pois ao final do curso do recuo o cano volta pela ação da mola a sua posição original, extraindo e ejetando assim a cápsula vazia, ficando o ferrolho temporariamente retido por um trinco, quando finalmente retorna a sua posição recarregando a arma.

    Este sistema se acha mais em peças de artilharia, sendo pouco utilizado em armas leves. Exemplares típicos são a espingarda semi-automática Browning, e as pistolas Frommer 1912 e Mars, e a metralhadora Madsen.

  7. RECUO INDIRETO DE GAS (“Gas Operation“). Ação do Tipo Aferrolhada

  8. O recuo indireto de gás tornou-se popular em ações de uso militar depois da segunda guerra. Uma parte da coluna de gás que acompanha o projétil durante seu deslocamento pelo interior do cano é desviada por um orifício e conduzida para um conduto ou canal, onde movimenta um pistão ou êmbolo, ligado ao ferrolho por uma haste, transferindo assim a energia do movimento ao porta-ferrolho movimentando o mecanismo.

    Um detalhe importante no desenho da admissão de gás no cano, é que o evento desta deve ser bastante distante da culatra, para assim permitir que a pressão caia a níveis seguros antes da culatra começa a abrir.

    A maioria dos desenhos atuais usa sistemas de trancamento por ferrolho rotativo, onde a cabeça do ferrolho efetua um giro, trancando-se em ressaltos escavados na armação, até começar seu movimento inverso para destrancar a culatra.

    É a ação preferencial dos modernos fuzis de assalto, como o M-16, AK -47, Galil, Valmet. e metralhadoras como M60 e M249.

  9. OPERAÇÃO POR INÉRCIA (“Inertia Operation”). Ação do Tipo Aferrolhada.

    É um sistema no mínimo curioso. Usando como base da ação a operação a gás, usa a inércia provocada pelo disparo e a massa da arma de uma certa forma como componente do mecanismo. Particularmente hoje utilizado em espingardas da Benelli (sistema Inertia Driven®) e Franchi. Na Benelli, o ferrolho se divide em duas partes unidas por uma mola bastante dura (corpo do ferrolho, mola de inércia e cabeça de ferrolho rotativa), e cano fixo a armação. No momento do disparo uma parte do ferrolho permanece inerte, enquanto que o recuo da arma fecha as duas partes do ferrolho, transferindo energia e comprimindo a mola intermediária entre a cabeça e o corpo do ferrolho, sendo que a energia e a compressão da mola auto-regula a ação. O corpo de ferrolho destranca a cabeça rotativa que recuando, extrai e ejeta o cartucho vazio, arma o martelo e comprime a mola de retorno, que se estendendo empurra o ferrolho de volta a câmara, retirando um cartucho do magazine iniciando um novo ciclo.

    Esta ação é incrivelmente rápida, vangloriando-se a Benelli de ter atualmente uma das mais rápidas espingardas semi-automáticas do mundo. Sendo memorável a impressionante foto em um de seus catálogos, onde quando o ultimo cartucho é ejetado, o estojo vazio do primeiro disparado nem tocou o solo ainda...

    É aconselhável o uso de munição do tipo Magnum, embora o uso de outros tipos não seja proibido, deve se observar o recuo mínimo para comprimir a mola e ciclar corretamente o sistema, sendo interessante que se a massa da arma não recuar, como quando a arma está apoiada contra o solo, não recuará para operar o mecanismo com segurança.