sexta-feira, 5 de junho de 2009

Balística Interna: Operação em Armas Semi e Automáticas

Desde o surgimento das desajeitadas armas primitivas (os Hand cannons e Handgonnes), o maior problema para os projetistas de armamento sempre foi como obter a rápida repetição dos disparos. A antecarga era um processo lento e difícil, eventualmente quando numa caçada a aves, ou a caça pequena isso não seria um grande problema, mas com caça pesada avançando em direção do caçador a galope, ou em meio a uma batalha recebendo fogo inimigo isso deveria ser assustador.

O surgimento dos sistemas de retrocarga, com a introdução do primeiro e rústico antepassado do cartucho metálico, depois de inúmeros ensaios e sistemas frustrados, negas e certamente culatras explodidas, foi conseguido por Pauly em Paris no ano de 1812. A evolução natural com as modificações posteriores realizadas por Houiller, Lefaucheux (pai e filho), Flobert, dentre outros, viabilizou tempos depois a repetição rápida dos disparos e por fim o automatismo.

As primeiras experiências com armas de repetição semi-automáticas foram levadas a cargo pelo americano Hiran Maxim, que iniciou seus estudos modificando várias carabinas Winchester 1866 cal. .44 Henry (fraco para esta função) para disparo semi-automático, sendo que há quem diga que os Turcos teriam incorporado a algumas de suas unidades tal modificação em suas carabinas, utilizando-as na batalha de Plevna. Porém, o escopo de Maxim era o armamento militar pesado, tendo sido o criador da 1ª metralhadora automática.

A transferência dos sistemas de repetição manual para o automatismo ocasionou novos problemas na administração do recuo e no aproveitamento dos gases do disparo para a correta ciclagem do mecanismo (carga, disparo, extração, ejeção, recarga). Projetistas como Browning, Maxim, Krnka, Mannlicher, Roth, Petter, Schwarzloze, e inúmeros outros, criaram uma série de sistemas operacionais voltados e dimensionados as características das armas por eles criadas e quase sempre tendo em vista a potência dos cartuchos por elas empregadas.

Vamos de maneira resumida enumerá-los:

  1. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES (Ou Fecho Por Inércia - “Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    De maneira simplista poderíamos dizer que este sistema usa a força dos gases da queima da pólvora de maneira direta contra a face do ferrolho para obter o seu recuo e funcionamento do mecanismo. Não há nenhum fecho mecânico propriamente dito que atrase a abertura do ferrolho a não ser o peso fornecido pela própria massa, a fricção do ferrolho, e a força oposta pelas molas recuperadora e do cão. Todos estes elementos em conjunto, se opõem e resistem à força do recuo e a estupenda pressão gerada pelo disparo, atrasando a abertura do ferrolho para a extração e ejeção da cápsula, até que a pressão do gás caía a níveis seguros, ou seja, quando o projétil abandona a boca do cano. Caso contrário, o recuo (vulgo “coice”) seria bastante severo e haveria problemas de rompimento de estojos e escape de gases incandescentes em direção ao rosto do atirador.

    Este sistema é o preferido para armas de baixa potência e pequeno calibre como as .22 LR, e 6,35 mm Browning, embora seu teto teórico de operação seja comumente o 9 mm Curto (380 ACP) e o seu equivalente soviético o 9 mm Makarov. Calibres mais fortes obrigariam a arma a ter um ferrolho com bastante massa (peso) e molas duríssimas, como ocorre nas Astra série 400, e pistola Jo-Lo-Ar, ambas armas espanholas no potente cal. 9mm Largo.

    Curiosamente este é o sistema operacional mais usado em submetralhadoras, mesmo usando calibres bem mais potentes como eram vários tipos de 9 mm mais antigos (sendo atualmente usado apenas o 9 mm Luger) ou o .45 ACP, a preferência para este sistema de operação é devido a simplicidade do desenho, e para armas deste tipo geralmente se usa a uma mola de recuperação bastante forte com um ferrolho relativamente pesado operando aberto Como nas MP-18, MP-28, MP-34, MP-40, Carl Gustav, Sten, Uzi, MAC-10, INA, e em dezenas de outros modelos.

  2. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES RETARDADO (Inércia Retardada - “Delayed Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    A operação de inércia retardada também não é aferrolhada. Basicamente é um Blowback com a diferença de que o atraso da abertura da culatra é conseguido além do peso do ferrolho e molas, pela fricção entre peças mecânicas, massas de bloqueio, ou giro do cano sobre seu eixo através de guias ou canais helicoidais, que efetivamente exercem resistência contra o movimento inicial do ferrolho e contra as forças do recuo. Armas típicas deste sistema são a metralhadora Schwarzlose (com ressaltos no ferrolho que obrigavam o giro), a pistola Savage de 1915, onde o cano girava sobre seu próprio eixo, a famosa submetralhadora Thompson 1928 e seu sistema Blish de retardo através de fricção, e a pistola HK P9 com um sistema semi-rígido de trancamento por roletes na cabeça do ferrolho que se encaixam em depressões na armação retardando a abertura. Este sistema, aliás, é derivado do usado no fuzil automático Mauser Sturmgewehr 45, desenvolvido pela equipe do engenheiro alemão Dr. Ludwig Vorgrimmler na segunda guerra, que por sua vez se baseou no trancamento da metralhadora MG-42 [Este sistema ao que parece foi patenteado na Polônia por Edward Stecke em 1930] , foi reaproveitado nos fuzis CETME espanhóis, e posteriormente nos HK G-3 e demais, e na submetralhadora HK MP-5. Esta última com a vantagem maior para a precisão, de atirar com um ferrolho fechado.

  3. AÇÃO DE RECUO DIRETO SIMPLES RETARDADO A GÁS (“Gas-Delayed Blowback Ou Gas-Retarded Blowback“). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    Como no sistema de recuo direto (Blowback) o recuo simples direto a gás retardado, opera pelo princípio do ferrolho aberto, sendo a abertura da culatra atrasada por uma parte dos gases (não confundir com o sistema gas operated) que são desviados por um orifício no cano para dentro de um cilindro com um pistão que exerce resistência ao sentido original do recuo.

    Pouco utilizado ainda, tem nas pistolas HK P7 e na Steyr GB, seus maiores expoentes.

  4. AÇÃO DE GASES DE AVANÇO (“blow forward”). Ação do Tipo Desaferrolhada.

    Ação com longo movimento de cano, geralmente desaferrolhada. Neste interessante e obsoleto sistema o ferrolho é fixo a armação, e o cano é que se move para frente durante o recuo!!! No seu movimento e deslocamento ocorre a extração e recarga dos cartuchos. Como expoente maior deste sistema cito a pistola projetada por Schwarzloze em 1908, que não possuindo nenhum sistema de atraso, sendo apenas do modesto calibre 7,65 Browning (.32 ACP) possuía um recuo brutal.

  5. AÇÃO DE RECUO DIRETO TOTAL CURTO (“Short Recoil“). Ação do Tipo Aferrolhada.

    A partir desta ação falaremos dos tipos aferrolhados ou seja com trancamento de culatra (“locked-breech”). Onde em geral o cano se prende mecanicamente ao ferrolho durante o percurso do recuo provocado pelo disparo.

    No recuo curto geralmente o conjunto ferrolho/cano recua solidário por um percurso menor que o comprimento total do estojo da munição que a arma dispara. De um certo ponto em diante o cano deixa de recuar sendo retido em seu percurso mecanicamente por uma peça qualquer, e o ferrolho continua seu deslocamento extraindo, ejetando o cartucho vazio e recolocando outro proveniente do carregador ou magazine. Este movimento de recuo pode ser linear como nas Luger, P-38, Beretta 92, ou ainda vertical trabalhando em um eixo basculante de uma biela (Colt 1911) ou plano inclinado (FN 35, MAS 35). Na Steyr 1911 o cano recua cerca de 33 mm, e ainda gira sobre seu eixo.

    As diferenças entre os diversos designs de sistema condicionam a velocidade de desaceleração do conjunto cano/ferrolho e seu destrancamento.

    É um tipo de ação usado em armas de grande potência, inclusive nas metralhadoras Browning cals. .30 e .50 (7.62 e 12.7mm) onde nestas, depois de desaferrolhar, existe um acelerador de inércia para o retorno do ferrolho.

  6. AÇÃO DE RECUO LONGO (“Long Recoil”). Ação do Tipo Aferrolhada

    Como no sistema de operação de recuo direto de gases com recuo curto do cano, no recuo longo o ferrolho também recua solidário, porém por uma distancia maior que o comprimento do cartucho disparado, recuando travado com o ferrolho até a parte final do percurso.

    Armas com este sistema geralmente têm molas recuperadoras distintas e independentes para o ferrolho e cano. Estes sistemas tendem também a ter um tempo de ciclo mais longo, mais lento, pois ao final do curso do recuo o cano volta pela ação da mola a sua posição original, extraindo e ejetando assim a cápsula vazia, ficando o ferrolho temporariamente retido por um trinco, quando finalmente retorna a sua posição recarregando a arma.

    Este sistema se acha mais em peças de artilharia, sendo pouco utilizado em armas leves. Exemplares típicos são a espingarda semi-automática Browning, e as pistolas Frommer 1912 e Mars, e a metralhadora Madsen.

  7. RECUO INDIRETO DE GAS (“Gas Operation“). Ação do Tipo Aferrolhada

  8. O recuo indireto de gás tornou-se popular em ações de uso militar depois da segunda guerra. Uma parte da coluna de gás que acompanha o projétil durante seu deslocamento pelo interior do cano é desviada por um orifício e conduzida para um conduto ou canal, onde movimenta um pistão ou êmbolo, ligado ao ferrolho por uma haste, transferindo assim a energia do movimento ao porta-ferrolho movimentando o mecanismo.

    Um detalhe importante no desenho da admissão de gás no cano, é que o evento desta deve ser bastante distante da culatra, para assim permitir que a pressão caia a níveis seguros antes da culatra começa a abrir.

    A maioria dos desenhos atuais usa sistemas de trancamento por ferrolho rotativo, onde a cabeça do ferrolho efetua um giro, trancando-se em ressaltos escavados na armação, até começar seu movimento inverso para destrancar a culatra.

    É a ação preferencial dos modernos fuzis de assalto, como o M-16, AK -47, Galil, Valmet. e metralhadoras como M60 e M249.

  9. OPERAÇÃO POR INÉRCIA (“Inertia Operation”). Ação do Tipo Aferrolhada.

    É um sistema no mínimo curioso. Usando como base da ação a operação a gás, usa a inércia provocada pelo disparo e a massa da arma de uma certa forma como componente do mecanismo. Particularmente hoje utilizado em espingardas da Benelli (sistema Inertia Driven®) e Franchi. Na Benelli, o ferrolho se divide em duas partes unidas por uma mola bastante dura (corpo do ferrolho, mola de inércia e cabeça de ferrolho rotativa), e cano fixo a armação. No momento do disparo uma parte do ferrolho permanece inerte, enquanto que o recuo da arma fecha as duas partes do ferrolho, transferindo energia e comprimindo a mola intermediária entre a cabeça e o corpo do ferrolho, sendo que a energia e a compressão da mola auto-regula a ação. O corpo de ferrolho destranca a cabeça rotativa que recuando, extrai e ejeta o cartucho vazio, arma o martelo e comprime a mola de retorno, que se estendendo empurra o ferrolho de volta a câmara, retirando um cartucho do magazine iniciando um novo ciclo.

    Esta ação é incrivelmente rápida, vangloriando-se a Benelli de ter atualmente uma das mais rápidas espingardas semi-automáticas do mundo. Sendo memorável a impressionante foto em um de seus catálogos, onde quando o ultimo cartucho é ejetado, o estojo vazio do primeiro disparado nem tocou o solo ainda...

    É aconselhável o uso de munição do tipo Magnum, embora o uso de outros tipos não seja proibido, deve se observar o recuo mínimo para comprimir a mola e ciclar corretamente o sistema, sendo interessante que se a massa da arma não recuar, como quando a arma está apoiada contra o solo, não recuará para operar o mecanismo com segurança.


5 comentários:

  1. bom pelo que eu entendi e que o sistema de operação por recuo se divide em varias fases não e? me corrija se eu estiver errado tenho dúvidas. Muito bom o conteudo nota 10000000000. Obrigado.

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  2. Caro Adriano.
    Na verdade não.
    Cada arma usa um sistema mecânico diferente para administrar e utilizar os gases da combustão como motor de seu mecanismo.
    Estou explicando justamente as diferenças entre eles...

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  3. Parabéns pelo post! Teria algum estudo sobre a perda de potência das armas semi auto em relação as de mecanismo por bolt action. grato

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    1. Eloir, grato pela ilustre visita.
      Infelizmente não possuo tais dados, nem conheço quem tenha feito. no Brasil seria impraticável devido a pouca opção de calibres, pois as armas do teste devem ter os mesmos parâmetros de desempenho.
      Mas é sabido que há uma perda de gás em sistemas automáticos, mormente os que usam ação indireta com tomada de gás.
      Abraços

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  4. Material fantástico! Estou escrevendo um manual sobre sistemas de ignição de armas portatéis, sistema martelo x percursor lançado, e dificilmente encontro algum material de apoio com qualidade na internet. Parabéns!

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