segunda-feira, 1 de fevereiro de 2010

O ARSENAL DOS CORONÉIS




o poder de fogo dos caudilhos...


Durante toda a minha infância passei as férias escolares na fazenda de meu querido e saudoso avô materno, o Sr. Aurelino “Toquinho” Avelino de Carvalho, na divisa BA/MG. Ouvia extasiado as estórias que ele, os amigos dele e os agregados da fazenda contavam. Inclusive as maravilhosas estórias das noites em que “seu” Anísio (um bisneto de escravos) ia à sede da fazenda contar. Ainda sinto o cheiro saboroso do café fresco no fogão a lenha (acompanhado de certa dose de fumaça é claro), ouvindo com os olhos esbugalhados de menino curioso mais uma história de assombração (as macabras estórias sobre as “visagens da estrada”, dos defuntos que vinham dar botijas de ouro, sobre os espectros dos pistoleiros arrependidos ou não, e das suas vítimas chorosas ou furiosas, dos lobisomens, mulas-sem-cabeça,caiporas & cia.) e de depois ir dormir quase se borrando de medo, se “ribuçando” (cobrindo) da cabeça aos pés, enquanto ouvia os ruídos da natureza e das criaturas da noite, iluminando as trevas do quarto com a luz bruxuleante do candeeiro a querosene (objeto hoje quase em extinção)... Estórias coloridas de tempos passados, da época que os bichos falavam, das aventuras de Pedro Malasarte (um personagem de histórias folclóricas populares que era um renomado e sagaz picareta, que sempre se dava bem), de caçadas memoráveis, e é óbvio que também estórias dos tempos dos coronéis, jagunços e pistoleiros, tanto os de Minas como os da Bahia (dos quais falarei com mais detalhes por ser meu estado natal). Estórias cheias de violência, de folclore e misticismo como o “corpo fechado”, dos pactos com o demônio para obter riqueza, das vinganças cruéis, das tocaias, dos casarões mal assombrados e cheios de projéteis incrustados nas paredes de quase 1 m de largura feitas com tijolos de “adobão” cozido. Lembro-me de fragmentos das histórias contadas sobre o Coronel Marcionílio Antônio de Souza, que foi compadre de meu bisavô Teófilo Carvalho (fazendeiro na região de Maracás/Ba), como por exemplo, as que diziam que quando Marcionílio ia visitar meu bisavô, seus capangas ficavam na porteira da fazenda, e quando entravam na propriedade “tinham de abaixar as carabinas” em sinal de respeito. Ou uma que é de uma malvadeza que poderia ser imputada a qualquer um deles: o coronel recebeu um recado na sua fazenda. Convidou o mensageiro a ficar para o almoço, e no meio deste, notou que enquanto todos comiam (naquelas mesas antigas e maravilhosas, feitas com imensa pranchas de madeira sem emendas de 3/4 m) o convidado não parava de olhar pra os lados e procurar alguma coisa. A um gesto do “home” todos pararam de comer (além da família, uma pá de jagunços estava numa sala contígua).
- Tá lhe faltando alguma coisa?A comida não está boa?
- Ah seu Coronel , tá tudo muito bom mas falta o “mió"...
- “De maneiras” que, o que seria o “mió” pro senhô?
- Ah seu Coronel, era bom uma pimentinha...


O “homem” calmamente mandou retirar a mesa inteira, e mandou trazer uma gamela de jabá bem salgado, um litro de farinha e um de pimenta bem vermelha e curtida!!!
- Pode comer agora sua pimenta a vontade!! O Infeliz ainda tentou abrir a boca para argumentar, mas dois jagunços se chegaram para perto engatilhando as suas carabinas papo-amarelo 44. O camarada comeu o jabá entupido de sal, com bastante pimenta e farinha, e quando já estava revirando os olhos, o coronel mandou parar.

- Isso é pra o sinhô não ser mal-educado e não exigir nada na casa dos outros quando é convidado. Suma de minha frente enquanto pode!

Diz o povo que o camarada saiu voando ladeira abaixo, chegou ao açude no pé da
ladeira, abaixou a cabeça e bebeu como um boi. Dizem que morreu algum tempo depois com os intestinos cortados pelo sal... Ou as histórias do Cel. Clemente da Vazante que tinha a seu serviço mais de 100 homens, que moravam em casinhas espalhadas numa serra, e quando era necessário reunir toda a “tropa” era usado um búzio marinho de grandes proporções soprado a guisa de trompa. Eu mesmo cheguei a conhecer um Coronel, ele já estava no fim da vida, enfermo numa cama, a barba absolutamente grisalha lhe descia até o peito, lhe dando aparência de “santo”, prometeu a mim e ao meu irmão uma “repetição de papo amarelo” (carabina Winchester 1873), das muitas que devia ter tido... Embora naquela altura, das centenas de alqueires que ele possuíra, só restava mesmo a outrora majestosa fazenda que possuía ainda as 4 casas, e uma “venda” (armazém onde os empregados certamente se endividavam) reunidas em torno de uma praça central. Curioso citar que uma destas casas estava vazia e diziam que era mal-assombrada, se escutando a noite gritos, gemidos, e disparos de armas de fogo. Ela possuía um porão aterrado (me disseram que era um arsenal, será?) Contava o velho Cel. Horácio Machado em suas lembranças que viu nos bons tempos os “turcos” passar com as bruacas (bolsas de couro cru para levar cargas em lombo de burro) cheias de pedras preciosas retiradas dos garimpos das velhas Minas Gerais.


O coronelismo


Reminiscências de menino a parte, historicamente o período do coronelismo se inicia no Brasil no século XIX ainda no período do império com a criação da Guarda Nacional em 1831, prosseguindo no período da república velha (1889 – 1930), perdendo força depois da revolução de 1930. Sua principal função seria a manutenção da ordem pública, contando para isso com (teoricamente) frações de tropa em cada município. O coronelismo se constituía em ricos fazendeiros, ou políticos influentes que compravam ou recebiam o título da mão do governo (a carta-patente da Guarda Nacional), ao qual eram dados diversos privilégios e status social, sendo que em certa época a sociedade civil se encheu de capitães, majores e coronéis, como no império foi cheia de marqueses, condes, e barões falidos. Como nota meritória deve-se destacar que os batalhões da Guarda também participaram da Guerra do Paraguai. O “Batalhão Patriótico Lavras Diamantinas” comandado por Horácio de Matos de Lençóis, ainda participou em 1926 dos episódios da caça aos “revoltosos” da Coluna Prestes na região. Havia também os coronéis com título sem valor militar de fato. Por fim depois da extinção da Guarda nacional logo após a proclamação da República, “coronel” passou a ser sinônimo de qualquer fazendeiro rico. Os coronéis rurais (e depois os urbanos, estes geralmente capitães de indústria) são uma verdadeira lenda social brasileira, e embora se associe imediatamente sua imagem com o nordeste brasileiro, se espalharam de norte a sul do Brasil (é só se lembrar da política do café com leite, dos coronéis paulistas e mineiros que dominaram a política nacional por anos). Eram latifundiários, oligarcas, patriarcais, violentos e arrogantes. Pode-se dizer que a sede da fazenda, o tradicional casarão com 6 a 8 janelas frontais (diziam que a quantidade de janelas indicava a riqueza do dono) com até 2 pavimentos, sótão (por vezes com janelas para atiradores) e porões, substituía a casa grande do engenho, pois tinha a mesma função opressora. Pode-se dizer, guardadas as devidas proporções, que continuavam com a mesma função do donatário da capitania hereditária no período colonial: auxiliavam, substituíam e faziam as vezes do poder central, que era fraco e vacilante, na administração regional e na manutenção da lei e da ordem vigente em seus domínios. A riqueza e a opulência da extensão de terras era conseguida, via de regra, pela grilagem de mais terras ou por herança; haviam coronéis que eram “ex-pobres” mas era raríssimo, pois era uma época de pouca mobilidade social, a maioria mesmo já era de família rica ou tradicional As esposas dos coronéis eram outro capítulo a parte. Ora eram submissas (a maioria), ora arrogantes, vingativas e algumas quase tão violentas quanto os esposos, verdadeiros “coronéis de saia”. Conheço inclusive o caso de uma delas que mandou aplicar um “clister” (lavagem intestinal, que antigamente era feita toscamente com um chifre de boi limpo e polido, com a ponta serrada que servia de funil) a base de pimenta malagueta numa das raparigas (amante) do seu marido. Algumas inclusive assumiam o lugar do Coronel como chefe do clã político quando este falecia, mas foram poucos casos. Com o tempo a elite agrária começou a se refinar e enviar seus filhos a Europa e aos grandes centros para estudar. Assim quando voltavam para a casa paterna os recém formados “Doutores”, engenheiros, médicos e advogados. Criava-se então, desde o fim do Séc. XIX, uma sociedade que endeusava os títulos acadêmicos (herdamos isso ainda hoje), algo compreensível numa época onde cultura era raro, fazer faculdade então era um artigo extraterrestre de tão difícil. As grandes casas rústicas ou não, no meio do sertão, do seringal ou do cafezal, eram repletas de boa louça, tecidos e mobiliário fino, embora nem sempre os proprietários tivessem o necessário refinamento para apreciá-los.


Os coronéis e a política


Os coronéis entraram no imaginário popular como os fazendeiros que se constituíam na riqueza e na força política que como um rolo compressor implacável decidia o destino das eleições e do governo do país. Soberanos em seus currais eleitorais obrigavam os seus empregados e agregados pela coação a fazer o infame e famoso voto de cabresto (voto forçado no candidato do patrão, chegando os coronéis a reter os títulos dos empregados). Ainda haviam as devidas manipulações, associações, fraudes (como a falsificação de documentos de eleitores para permitir o voto de menores, a repetição do voto ou pessoas votarem com nome trocado, o voto “fantasma” - onde o falecido “votava” lá do além, a falsificação de documentos eleitorais públicos, etc.), conchavos políticos, trocas de favores, compra de votos, ou simplesmente pela força das amas, com sedições, golpes violentos, além dos já tradicionais homicídios dos rivais, como diz esta anedota em que o coronel manda chamar o jagunço e diz:
- Você conhece o fulano de tal?
- Conheço não Coroné, mas já tá me dando uma raiva danada desse cabra.
- Deixe de bobagem home, é só pra mandar um recado!


A sua ousadia era tanta que mais de uma vez aconteceram embates contra o governo e seus representantes, como no caso sedição de Juazeiro/CE em 1914, a crise foi provocada pela intenção do interventor nomeado pelo Pres. Hermes da Fonseca, Marcos Franco Rabelo, de destituir e prender o famoso padre Cícero Romão Batista – que muitos consideram um “coronel sem farda” - dos cargos políticos que ocupava. O deputado federal Floro Bartolomeu a frente de um batalhão de jagunços auxiliados pelos romeiros que movidos por intensa fé no “Padim Ciço”, interviram na contenda batendo as tropas governamentais, que apesar de usar um canhão, foram rechaçadas. Depois disso os revoltosos seguem para a capital cearense e depoem o interventor Franco Rabelo, contando inclusive com auxílio de uma esquadra da Marinha de Guerra do Brasil, pois Floro Bartolomeu conseguira apoio federal.
A cidade de Princesa na Paraíba rebelou-se em fevereiro de 1930, no episódio conhecido como a “Revolta de Princesa”. O coronel José Pereira Lima insurgiu-se contra o governo de João Pessoa, arregimentou forças e causou muitas baixas no meio das fileiras da polícia da Paraíba (inclusive com um quase desconhecido massacre de uma companhia num casarão), sendo a cidade tomada de maneira absolutamente pacata depois da revolução de 1930 por tropas federais. Ou no caso da “Revolta Sertaneja ” (1919/20), na Bahia, onde os já citados coronéis Marcionillo Souza, Horácio de Matos, e Anfiófilo Castelo Branco reagiram contra a Lei Estadual n.º 1.104, de 09 de maio de 1916, que pretendia minar seu imenso poder regional. Os tentáculos dos coronéis se estendiam tanto no âmbito dos municípios como no âmbito estadual. Tudo dependia do seu prestígio e favores políticos: a nomeação de funcionários públicos, delegados de polícia, a administração da justiça, etc. Era comum darem guarida a homicidas, sendo seus “afilhados“, capangas e jagunços de certa forma intocáveis pela lei.


Armamento dos Coronéis

Evidente que os coronéis possuíam muitos desafetos e inimigos devido aos crimes que cometiam e a política acirrada, tinham de manter suas propriedades e rebanhos, bem como se defender dos assaltos de bandoleiros e cangaceiros (que o digam os potes e botijas enterrados e repletos de moedas e jóias que aparecem nas histórias de assombração, mudas testemunhas da riqueza desses homens...). Suas casas eram verdadeiras fortificações (já vi uma até com seteiras). Meu finado tio Zeca lá pelos anos 40 trabalhou na fazenda de um rico fazendeiro na fronteira da Bahia/Minas Gerais. Ele me contou que na casa da sede tinham caixas fechadas com dezenas de carabinas Winchester e 8 pistolas Parabellum, além de outras armas curtas!! Para economizar tempo na hora de limpar eles simplesmente jogavam óleo por cima e fechavam a caixa. O mosquetão Mauser (e por vezes o fuzil) realmente existia em grande número, inclusive podia ser comprado por encomenda, bastava um telegrama para a FN ou a DWM e caixas destas armas aportariam em Santos, Salvador ou Recife. Fuzis Mauser inclusive, são itens constantes em um catálogo de afamada casa paulista no início do Séc. XX. Fuzis e mosquetões Mausers Oviedo espanhóis aparecem com certa raridade também. Como detentores de arsenais governamentais, diversos fuzis oficiais estavam em sua posse, como os Comblain 11 mm de tiro único (a “combréa” da guerra de Canudos). Estes são citados no combate de Brotas de Macaúbas/Ba de 1914, usados por jagunços do Cel. Militão Coelho. Mas as preferidas mesmo eram as armas de repetição por alavanca (lever action), pois eram leves e rápidas, como são as Winchester (sendo “repetição” uma das alcunhas desta arma, que em diferentes versões, parecia uma praga por aqui), existiam também carabinas Marlin, e outras menos famosas no mesmo sistema. Carabinas Colt, e Remington por ação de bomba ou deslizante (pump action) também aparecem. Quanto aos fuzis além dos de ferrolho como o Mauser e um ou outro Mannlicher perdido por aqui, aparecem outras armas longas exóticas, mas em menor número, se vendo praticamente um pouquinho de tudo. Os revólveres na sua maioria eram de origem americana (principalmente Colt e SW), além de seus clones espanhóis, sendo que destes os mais famosos eram os populares “H.O.” (o correto é “O.H.” - Orbea Hermanos da cidade de Eibar), mas se encontram muitos outros espanhóis como os Tanque, os Corso, BH, GH. Etc. Etc. Etc. Para mais umas 20/30 marcas espanholas. Os revólveres Nagant em calibre 440, de dotação do Exército Brasileiro foram extremamente comuns entre os civis no nordeste do Brasil (e como relíquia até os dias de hoje se acham muitos). Creio que nada impede que alguns deles tenham sido desviados de quartéis na época do coronelismo. Os calibres mais comuns nos revólveres da época eram o 32 SWL, 38 SPL, .44 SW russo, 44-40, e em regiões do mato-grosso o .44 SPL. Evidente que sempre se pode ver algum em calibre mais raro ou exótico. Ouvi falar de pelo menos um exemplar de Colt Peacemaker 1873 em calibre 44-40 que estava e mãos de um rico fazendeiro, arma bem rara por estas plagas. Dentre as pistolas, as alemãs da casa Mauser, notadamente a C-96 de 7,63 mm alcunhada de “caixa de pau” por causa do coldre-coronha de madeira, arma predileta do Cel. Horácio de Matos que febrilmente usou uma nos combates de 1918 em Brotas de Macaúbas/Ba contra o também Coronel Militão Rodrigues Coelho, num entrevero onde quase 500 jagunços lutaram, cavando trincheiras e sitiando várias fazendas e povoados, e desafiando e entrando em combate com uma expedição da Força Pública Estadual que havia ido em socorro de uma das partes. A contenda (nome inclusive de uma das cidades da região: Contendas do Sincorá, batizada segundo contam em lembrança as freqüentes rixas entre os poderosos nesta área) durou cinco meses, com um saldo de centenas de mortos. Curiosamente a cara e bem feita Mauser C-96 era bem popular no Nordeste. Um aparte deve ser feito ao sistema de municiamento destas armas, que usavam um carregador fixo municiado por uma lâmina, e quando estava cheio com os 10 cartuchos o povo via nele os dentes de um pente, surgindo assim a expressão leiga “pente” usada até os dias de hoje para denominar qualquer tipo de carregador de armas semi ou automáticas. Como as Mauser foram as primeiras semi-automáticas a chegar por aqui, seu nome por muitos anos foi sinônimo de pistola, “fulano tem uma mausa”, se fosse grande era uma “mausona”, se pequena ”mausinha”. Fato pouco estudado é que dizem que a Força Pública de Pernambuco usava um clone espanhol das Mauser, a pistola Royal com seletor de fogo automático, sendo inclusive arma das tropas “volantes” que combatiam o cangaço. As pistolas Parabellum mod. 1906 (a maioria do contrato militar brasileiro, raras eram comerciais) e 1908 de 7,65 mm e 9 mm Luger, também foram muito apreciadas, várias fotos de época mostram seu uso, inclusive de variantes raras destes modelos. De outras pistolas se vêem principalmente as Belgas (FN-Browning, Jieffeco, Pieper, e outras marcas menos famosas), e cópias espanholas do tipo Ruby, e americanas a maioria da Colt, aparecem ainda algumas austríacas como as Steyr em diferentes modelos, inclusive as 1911 militares. A maioria esmagadora era em calibres 6,35 mm e 7,65 mm, mas algumas que calçam munições incomuns também são vistas. Raras são as pistolas semi- automáticas inglesas, mas de quase todas as marcas e modelos mundiais se vê um pouco. Espingardas existiam em profusão para a caça, a maioria eram “cartucheiras” belgas, inglesas ou espanholas, sendo que algumas ganharam fama e notoriedade entre a população (como as espanholas Victor Sarasqueta).


O desarmamento de Getúlio



A justiça dos coronéis era rápida e brutal, os adversários eram eliminados nas infames tocais, emboscadas feitas por jagunços ou pistoleiros “avulsos” contratados para tal fim, quando não eram as escondidas em alguma estrada deserta, eram a luz do dia mesmo para que todos vissem e temessem. Como até o judiciário era engessado pelo poderio político, pouco podia fazer o populacho no caso de uma ofensa perpetrada por um destes poderosos (além dos assassinatos, se ouve falar principalmente em casos de abuso sexual e surras). Alguns coronéis no Nordeste e norte de Minas Gerais chegavam até a usar a seu serviço bandos de cangaceiros e bandoleiros, bem como lhe davam guarida e suporte. É fato mais do que sabido que Lampião conseguia seus víveres e munição através de extensa rede de coiteiros, inclusive alguns coronéis, e até com a polícia que o perseguia! Para ilustrar tais desmandos cito certa feita em 1920 e alguma coisa em Vitória da Conquista/BA, quando duas importantes famílias rivais em pleno centro da cidade chegaram, como em um bom western spaghetti que se preze, ao meio-dia a trocar intensa fuzilaria encastelados em suas fortalezas, parando por completo a cidade. Evidente que ninguém foi preso. Com tanto poder assim que peitava governos e desafiou as forças da lei mais de uma vez, só restava a Getúlio “quebrar a espinha dos coronéis”, minar seu poder e evitar obviamente a contra-revolução. Assim, logo após a revolução houve o famoso desarmamento iniciado em 1930, com a promulgação do regulamento 105 (o famoso R-105 do exército nacional, uma lei draconiana que regula a fabricação, o comércio, e a posse de armas de fogo no Brasil, em vigor até hoje com algumas mudanças). As milícias dos coronéis foram dispersadas, chefes políticos presos, humilhados e levados as capitais. Assim foram presos alguns dos grandes coronéis da Bahia como Horácio de Matos (assassinado com um tiro pelas costas em Salvador no dia 13 de Maio de 1931, no Largo 2 de julho, pelo Guarda Civil Vicente Dias dos Santos, num crime de mando segundo consta encomendado pela viúva do Major Mota Coelho), Marcionillo Antônio de Souza (me informa seu bisneto Luiz Fernando, que ele morreu em 1943 aos 84 anos e não aos 75, e que não deixou os 3 filhos do segundo casamento na miséria, isso é uma informação errônea espalhada hoje de forma virtual.), Anfilófilo Castelo Branco de Remanso, dentre muitos outros nomes menos famosos historicamente, mas igualmente poderosos. O desarmamento levado a cabo na década de 1930 foi bem profícuo na Bahia, sendo apreendidos nas fazendas e cidades da região da Chapada Diamantina (as famosas “lavras”) segundo consta cerca de 30.500 fuzis!!!, 376 kg de munição, 236.000 cartuchos, 2 fuzis-metralhadores e 2 máquinas de recarga de munição (creio que provavelmente eram as máquinas de carregar os pentes dos fuzis metralhadores FMH, pois não se praticava recarga naquela época). Os números certamente parecem absurdos, mas deve-se lembrar que não havia uma legislação rigorosa a época restringindo tipos de armas, nem tampouco havia controle sobre as importações e o comércio. Via de regra os coronéis importavam de maneira direta com encomendas nas grandes casas que vendiam armas de fogo ou a caixeiros viajantes (inclusive muitos sírios e libaneses apelidados indevidamente de “turcos”) que levavam estas armas e munições de porta em porta. Há até relatos confiáveis que dão conta de coronéis que possuíam além de boa louça inglesa, metralhadoras Lewis, da mesma origem, bem como de outros modelos. Só do Cel. Horácio de Matos e seu clã, as tropas do governo tiraram 3.000 armas longas de tipos variados, além das armas curtas (pistolas e revólveres, até mesmo as “facas de ponta” foram apreendidas). A chapada era um local pródigo - muito antigamente - para se “garimpar” e achar armas raras.
Da Região de Maracás/Ba, sob a influência de Marcionillo, dois batalhões federais recolheram cerca de 2200 armas longas e curtas, e 50 mil cartuchos.
De Vitória da Conquista-Ba, fui informado em conversas com moradores mais antigos que conheceram de perto aquela época violenta (o chamado “tempo do carrancismo”) onde a “política” terminava seguramente em tiros, que se retirou um caminhão e um automóvel lotados de armas de fogo variadas apreendidas. Um velho armeiro me falou certa feita que trabalhando como encanador, ao entrar num porão de tradicional família conquistense na década de 70, achou num canto ao lado da tubulação de ferro, um caixote de munições de diversos calibres, totalmente “zinabradas” (oxidadas), e certamente imprestáveis. Exemplos que corroboram a lenda corrente de que quem não queria perder sua arma a enterrou em porões ou em locais seguros, onde a “gente do governo” não andava. Cito um velho revólver S & W DA nº 3 cal. .44 totalmente carcomido que se achou no porão de uma antiga fazenda que foi de uma “coronela”, localizada próximo ao sul da Bahia, bem como outro achado embrulhado em um couro em MG, ou uma carcomida carabina FN-Mauser 1922 enterrada no mesmo estado. Há boatos até de uma metralhadora pesada (Hotchkiss 1914) abandonada em uma fazenda de MG pela coluna prestes, bem como de fuzis achados em diversos locais de MG, SP e RS, todos abandonados por revolucionários ou tropas governamentais.


pelotão da morte na cidade de Jequié na Bahia em 1930 em ação desarmamentista. As pilhas são de carabinas Winchester e pistolas garruchas.

O coronelismo foi uma chaga. A marca viva de uma época de desigualdade social e econômica, de violência, de impunidade, de atraso e falta de cultura, onde a maioria da população era vítima de homens que manipulavam a sociedade a seu bel prazer através de uma política baixa, interesseira, corrupta e descompromissada socialmente... Peraí! Mas de que época afinal estamos falando, do início do Séc. XX ou do XXI ? MUDA BRASIL!!!!